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Reeleição: que vá embora e não volte nunca mais

Se “no meio do caminho tinha uma pedra”, conforme Carlos Drummond, a pedra no meio do caminho, do Brasil, sempre foi a classe política

Por Ricardo Kertzman

Costumo dizer que a história recente do Brasil foi marcada por três momentos cruciais que, a despeito de todos os demais fatos históricos relevantes, nos conduziram até este miserável estado de coisas atual. 

A transferência da capital, do Rio de Janeiro para Brasília, foi determinante para que nossos políticos se tornassem tão descaradamente corruptos – em todos os sentidos – e tão despreocupados com as consequências. 

A reeleição de Dilma Rousseff e a posterior “morte em vida” –  prestes a se tornar “morte em morte” – do PSDB, com a derrocada moral de Aécio Neves e o definhamento biológico e político do tucanato paulista, limitaram o país à mais estúpida das polarizações: Lula x Bolsonaro.

FFHH: o grande erro

Eu saltei, de propósito, o evento cataclísmico intermediário: a famigerada reeleição, inventada e “comprada” por Fernando Henrique Cardoso – a meu ver, ao lado de Michel Temer, ambos com todas as devidas ressalvas, os únicos presidentes decentes pós-redemocratização -, por mera vaidade e apego pelo poder. 

O mal que isso nos causou – e ainda causa – é simplesmente inominável e incalculável. No Brasil, disputam-se e vencem-se as eleições, não para o mandato em jogo, mas para o seguinte. Os primeiros quatro anos servem apenas para demonizar o governante anterior e angariar recursos para o próximo pleito. 

Se de fato for adiante o fim da reeleição, conforme proposta aprovada na quarta-feira, 21 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Congresso, uma luz – ainda que do tamanho de uma formiga e brilho de uma lâmpada amarela de 220 volts – se fará acesa no fim do túnel de 500 quilômetros que separa uma democracia civilizada dessa pocilga chamada Brasil. 

Tchau, querida

Se “no meio do caminho tinha uma pedra”, conforme declamou em verso e prosa Carlos Drummond de Andrade, a pedra no meio do caminho, do Brasil, sempre foi nossa classe política, ou seja, nós mesmos, afinal, essa gente estranha de Brasília não cai de Marte, mas para lá segue a partir de nossas próprias casas e escolhas. 

O certo é que, a cada novo ciclo eleitoral, a casta dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nas três esferas (municipal, estadual e federal), se aglutina, se protege e cria instrumentos e blindagens que a enriquecem cada vez mais, pois praticamente não há alternância significativa de poder. No máximo, alguns nomes, mas jamais os grupos. 

Lado oposto, a uma sociedade empobrecida pela sangria da renda tungada pela sanha arrecadatória e a corrosão monetária pela carestia advinda do sempre descontrolado déficit público, nada mais resta senão bancar com sangue, suor e lágrimas a festa da Corte tupiniquim. Na raiz deste sistema perverso até então inquebrantável, seguramente, ainda que, é claro, não só, está a famigerada reeleição. Que vá, portanto, embora, e não volte mais, pois já para lá de tarde. 

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