Tarifaço: plano bilionário do governo é paliativo e não atinge problemas estruturais do Brasil

O governo federal anunciou um pacote de R$ 30 bilhões para ajudar empresas afetadas pela tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos a produtos brasileiros. Especialistas, porém, apontam cuidados e críticas às medidas.
O pacote foi anunciado mais de um mês após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decretar as tarifas, período em que empresas e setores produtivos já registravam perdas significativas.
O programa concentra-se principalmente em pequenas e médias empresas, deixando medidas imediatas para grandes exportadores ainda indefinidas.
Especialistas enxergam as medidas como passo inicial esperado, mas há sérias preocupações com o impacto fiscal e a necessidade de ampliar mercados para reduzir a dependência dos EUA após “política externa agressiva”.
Solução paliativa
Para Fabio Murad, CEO da Super-ETF Educação, o pacote representa uma solução paliativa diante de problemas estruturais mais profundos:
“A MP reflete uma tentativa desesperada de enfrentar as consequências de uma política externa agressiva, mas ela é uma solução paliativa diante de problemas estruturais mais profundos. A medida, ainda que seja vista como um alívio momentâneo para setores afetados, como o agronegócio e a indústria, não resolve a fragilidade fiscal do país”
Segundo o especialista, no ponto de vista econômico, essa ação pode até trazer algum alívio pontual, mas ela adia o enfrentamento das questões fiscais que continuam a pressionar as contas do governo.
“Em vez de buscar diversificação de receitas ou reformas estruturais, o governo opta por soluções emergenciais, que não resolvem a raiz do problema e podem até aumentar o peso da dívida pública no futuro”, alerta Murad.
Mudanças estruturais e dívidas
Assim também pensa Carlos Honorato, economista e professor da FIA Business School. “O plano não atinge o que é preciso mudar estruturalmente no Brasil, mas o que a gente observa é que, aparentemente, não tem ninguém interessado em mudar estruturalmente o Brasil”, critica o especialista.
Ele dá exemplos do Judiciário “que gasta demais”; do Executivo, “que não se propõe a fazer um ajuste fiscal”; e do Congresso Nacional, “que se perde ali nos seus próprios benefícios, tentando trabalhar só com a política, só com a posição ideológica”.
“Não são com essas medidas que a gente vai mudar a questão estrutural. Mas o importante é que a gente não vê nenhum agente político de respeito no Brasil pautando as reformas que precisam ser feitas”, continua.
Honorato concorda que o Brasil vive uma “guerra comercial” e que, por isso, é importante olhar para os setores que estão sendo mais atingidos, como café, pesca e o setor moveleiro do sul. “Nesses setores, você tem que ter uma abordagem até de, realmente, adiar pagamento de impostos, criar condições para que essas empresas sobrevivam”, considera.
Por outro lado, os empresários devem tomar muito cuidado com as dívidas que podem ser adquiridas agora. “Quando a gente está falando em crédito: crédito é dívida. Por mais que o juro seja baixo, você dá a opção para as empresas se endividarem”, aponta.
Sucesso depende de resultados
O cientista político André César, em contraponto, afirma que o governo agiu cautelosamente, ouvindo os setores mais afetados.
“É um primeiro movimento do governo, feito com cautela e focado em quem sente mais o impacto do tarifaço. Congelar tributos, abrir linhas de crédito e direcionar compras governamentais para esses produtos são medidas inteligentes neste momento”, avalia.
O cientista ressalta, no entanto, que o sucesso dependerá de resultados concretos. “Temos que ver se vai realmente ajudar quem está sentindo na pele. E também olhar para o impacto fiscal, porque as contas públicas estavam em situação menos piores antes dessas medidas”
Segundo André, o Brasil também precisa acelerar a diversificação de destinos de exportação. Ele cita como exemplo a missão do Ministério da Agricultura no Japão, que tenta abrir o mercado local para a carne bovina brasileira após mais de 20 anos de negociação.
“É um movimento simbólico e estratégico, mas a instabilidade de Trump exige que o governo mantenha o radar ligado para novas sanções”, conclui.
Carlos Honorato aponta a situação como uma oportunidade de aprendizado para os empresários não dependerem do governo. “A gente está sofrendo hoje com os Estados Unidos, poderia ser com a China, poderia ser com a Europa”, lembra. “A grande dica que a gente dá para as empresas é que elas têm que diversificar, elas têm que ter uma estratégia. As empresas têm que se posicionar com estratégias de olhar para fora, buscar novos mercados”, ensina o economista.