“Corra que a Polícia Vem Aí” resgata sátiras com um Liam Neeson genial
Ator faz dupla perfeita com Pamela Anderson em um reboot-sequência que não deve em nada ao original

À primeira vista, o nome de Liam Neeson no pôster de Corra que a Polícia Vem Aí poderia parecer estranho. Ter sua imagem séria, vestindo um de terno e performando um espacate então, nem se fala. Mas que diabos o ator indicado ao Oscar por A Lista de Schindler, um dos dramas mais cultuados dos anos 1990, que se reinventou como herói de ação com Busca Implacável e gerou um filão de obras do gênero em sua carreira, estaria fazendo em um filme assim? Bom, a mesma coisa que Leslie Nielsen, estrela do filme original, fez. Antes de ser um ícone da comédia, o astro foi o capitão do drama de desastre As Aventuras de Poseidon (1972), atuou na ficção-científica Planeta Proibido (1952), foi um prefeito corrupto em Cidade em Chamas (1979) e esteve em outros papéis “sérios” na TV, consolidando uma carreira com mais de 250 créditos de atuação.
São mais de 35 anos desde que Nielsen interpretou Frank Drebin no cinema pela primeira vez. Vivemos um tempo em que o cinema de comédia não está no seu auge e esse tipo de produção acaba direcionado ao streaming. Poucos foram os grandes fenômenos no gênero desde os anos 2010, com Superbad e Se Beber, Não Case sendo os últimos grandes exemplares. Neeson volta agora com uma missão ainda mais difícil do que salvar a filha de traficantes albaneses. Ele precisa resgatar não só a comédia como um blockbuster de final de verão norte-americano, mas colocar as sátiras de volta ao radar, em um mundo onde piadas desse tipo viraram esquetes do TikTok. Não é à toa que o filme do diretor Akiva Schaffer, de Tico e Teco: Defensores da Lei, tenha menos de 90 minutos. Assim como os originais, o diretor entende que essa piada não pode se alongar demais.

Liam Neeson vive Frank Drebin Jr., detetive que segue os passos do pai no Police Squad, uma equipe que já teve seus dias de glória, mas agora vive contestada pelos seus métodos nada convencionais. Com as trapalhadas e o jeito galanteador no DNA, Drebin Jr. precisa investigar um assassinato para que seu esquadrão não seja fechado e, principalmente, ele não perca tudo que seu pai contruiu e o tornou um ídolo da corporação.

Se os filmes originais miravam a política da época, com o governo George Bush e a Guerra do Golfo, o novo Corra que a Polícia Vem Aí coloca o alvo nas costas dos bilionários, das Big Techs e da falta de reciclagem das instituições norte-americanas. O esquadrão da polícia de Drebin é antiquado e não é à toa que algumas das melhores piadas do filme envolvam diretamente esse aspecto, a violência policial e, claro, a seriedade leviana com que os agentes vestem seus distintivos. É aí que a escolha de Liam Neeson para o papel deixa de ser apenas um acerto para se tornar algo genial. Transformar a imagem do ator, mais famoso atualmente como um homem com habilidades especiais, que usa o próprio corpo como uma máquina de destruir gangues, sequestradores e outros criminosos, em um policial trapalhão, mas que sempre mantém o semblante e a atitude de “eu vou te achar e eu vou te matar” é fantástico.

Akiva Schaffer repete a mesma ideia na escolha de seus antagonistas, entregando para Danny Huston, que enfileira vilões em filmes questionáveis, a chance de ser essa caricatura da forma correta. Isso vale ainda para Kevin Durand, que brilhou no recente Planeta dos Macacos: O Reinado, mas tem seu rosto mais vinculado a produções como X-Men Origens: Wolverine, por exemplo. Paul Walter Hauser volta a interpretar o tipo de papel que sabe bem, e se torna um coadjuvante de luxo ao lado de Neeson. Mas se tem um nome que faz Corra que a Polícia Vem Aí dar um passo além – até mesmo em relação ao original – é Pamela Anderson. A incrível química da atriz com Liam Neeson – que pulou para fora das telas – e situações de chorar de rir, como o jazz improvisado, a limpeza da cozinha e toda a sequência do boneco de neve, provam que seus novos movimentos na carreira são apenas o começo para ela.

Não faltam momentos engraçados ao filme. Mesmo que os trailers entreguem alguns dos melhores, como o assalto ao banco ou a luta de Drebin no melhor estilo John Wick, ainda há surpresas. As cenas do carro desgovernado e do interrogatório usando as câmeras do carro do policial são impagáveis. É louvável que o diretor e os roteiristas tenham seguido a fórmula dos originais, engatando uma piada atrás da outra, sejam elas mais elaboradas ou simples, como um trocadilho ou algo meramente escatológico. A trilha de Lorne Balfe entra na mesma onda, brincando com momentos épicos que ressoam em Hans Zimmer ou na trilha de Mad Max: Estrada da Fúria, e outros com os instrumentos de sopro, clássicos do original. A simplicidade do roteiro é na medida para que a história sirva como uma cola entre as esquetes, mas que as piadas nunca pareçam soltas ou sem propósito dentro da trajetória de Drebin.

O novo Corra que a Polícia Vem Aí é consciente do mundo em que vive, da forma de consumo relâmpago de qualquer tipo de conteúdo hoje em dia e se aproveita disso para mostrar que sátiras e comédias escrachadas ainda têm seu espaço. É uma missão ingrata em tempos onde qualquer intervalo de segundos vira motivo para ligar a tela do celular para absolutamente nada. Mas o tenente Frank Drebin Jr. e a genialidade de Liam Neeson – e de Pamela Anderson – são as armas perfeitas contra esse vilão.
