Parada há 40 anos, usina nuclear de Angra 3 custará R$ 23 bilhões para terminar ou R$ 21 bi para abandonar
Com 2/3 das obras concluídas, usina depende de reavaliação técnica, econômica e jurídica para avançar ou ser definitivamente cancelada

A usina nuclear de Angra 3, em construção desde os anos 1980 em Angra dos Reis (RJ), voltará à estaca zero em termos de planejamento. Apesar de mais da metade do projeto estar pronto fisicamente, o governo federal determinou que o BNDES conduza um novo estudo de viabilidade técnica, econômica e jurídica para decidir o destino da unidade. A medida surge após a saída da Eletrobras do projeto e as indefinições em torno de seu financiamento.
A Eletronuclear, estatal que hoje responde pelas usinas nucleares do país, informou que a decisão foi acordada entre a União e a Eletrobras no início de 2025. Com a privatização da antiga estatal, ficou acertado que ela não teria mais obrigação de investir em Angra 3, o que obrigou o governo a buscar novas formas de financiamento, incluindo possíveis parcerias com a iniciativa privada.
Angra 3: dilema entre seguir ou desistir
Segundo estudos anteriores do próprio BNDES, concluir a construção de Angra 3 custaria R$ 23 bilhões, enquanto abandonar o projeto acarretaria um prejuízo estimado em R$ 21 bilhões. Até agora, cerca de R$ 12 bilhões já foram investidos. O valor e os riscos envolvidos tornam a decisão estratégica, especialmente no atual cenário de busca por segurança energética e redução da emissão de gases do efeito estufa.
A usina teria capacidade para atender 4,5 milhões de pessoas, o equivalente a 70% do consumo de energia elétrica do estado do Rio de Janeiro. Ainda assim, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), formado por representantes de vários ministérios, ainda não chegou a um consenso sobre a continuidade do projeto.
Por que o governo hesita em avançar com Angra 3
A indefinição se agrava com as dívidas acumuladas pela Eletronuclear, que já somam cerca de R$ 7 bilhões, além de um custo operacional anual de R$ 800 milhões. Em razão disso, a estatal solicitou suspensão temporária de pagamentos ao BNDES e à Caixa Econômica Federal até dezembro de 2026, buscando tempo para a nova análise do BNDES e para uma possível reestruturação financeira.
Apesar do histórico de corrupção envolvendo Angra 3, revelado na Operação Lava-Jato, parte do governo e especialistas defendem a retomada do projeto, apontando que a energia nuclear pode funcionar como base confiável para compensar a intermitência de fontes renováveis como solar e eólica.
E se o projeto for retomado, quem vai bancar?
Diante da impossibilidade de o governo arcar sozinho com os custos, a Eletronuclear avaliou o interesse do setor privado em uma consulta pública no ano passado. A expectativa agora é lançar um edital de licitação para contratação via contrato EPC (Engenharia, Aquisição e Construção), com financiamento majoritário via crédito e investidores.
O plano é levantar até 90% dos recursos com capital privado, estratégia vista como essencial para destravar a conclusão do canteiro de obras parado há mais de 40 anos.
Contexto nuclear no Brasil e no mundo
Atualmente, o Brasil opera com duas usinas nucleares: Angra 1 e Angra 2, que representam 0,8% da capacidade de geração elétrica nacional, segundo o ONS. Em 2024, Angra 1 teve sua licença renovada por mais 20 anos, após passar por uma parada técnica para modernização.
Internacionalmente, a energia nuclear voltou ao debate por sua capacidade de fornecer energia constante com baixa emissão de carbono, embora continue enfrentando resistência devido a acidentes passados e custos elevados.