“Extermínio: A Evolução” usa zumbis para narrar um poema visceral sobre violência
Continuação do clássico de 2002 tem Danny Boyle e Alex Garland de volta como diretor e roteirista, respectivamente

O primeiro teaser trailer de Extermínio: A Evolução ganhou prêmios como a melhor prévia de 2024, e grande parte do seu mérito artístico veio da combinação das imagens do longa com uma leitura do poema Boots (Botas, em tradução livre) de Rudyard Kipling, no qual o autor imagina o ciclo de guerras da humanidade como uma marcha eterna de botas que termina na entrada do inferno, onde o narrador nos descreve sua visão: não fogo, não demônios; mas mais guerra. Mais botas. Mais homens marchando.
O poema não ficou só no trailer. Ele é usado no filme, dirigido por Danny Boyle e escrito por Alex Garland como um revival da franquia Extermínio que eles começaram em 2002, e o longa mostra que a escolha do texto não foi apenas uma ideia bacana do marketing.
Os temas da obra – de violência perpétua e homens enlouquecendo em meio ao combate num vício que passa de geração e geração – estão na mente da dupla enquanto eles revisitam o mundo que começou com Cillian Murphy andando sozinho nas ruas de Londres, 28 dias depois que um vírus da raiva transformou os cidadãos do Reino Unido nos zumbis mais agressivos do cinema.

Evolução, que é 28 Years Later no original, começa 28 anos depois do primeiro Extermínio (28 Days Later), e não é bem uma continuação daquela história, e muito menos do menos lembrado Extermínio 2 (28 Weeks Later). Murphy deve retornar nos outros capítulos da trilogia que se inicia com este filme, mas mais do que criar uma narrativa conectada, o intuito de Boyle e Garland com estes filmes parece ser o de explorar como a natureza da violência mudou desde então (e, crucialmente, como ela não mudou).
Mais do que nunca, os infectados são apresentados como um ecossistema variado e vivo: o vírus se comporta diferente em cada corpo, levando uns a estados de lentidão e barrigas infladas e fazendo com que outros cresçam até terem mais de dois metros de altura, o que é acompanhado por mais força, inteligência e, aparentemente, membros avantajados.

É dentro desse universo que Spike (o novato Alfie Williams, milagrosamente livre dos trejeitos de atores mirins nesse tipo de papel) parte para sua primeira caçada. Trata-se de um ritual para os adolescentes de sua comunidade, localizada em Holy Island (um local real, mas com um nome que ganha outros significados aqui), uma ilha isolada do resto do Reino Unido por uma estrada que só pode ser atravessada quando a maré está baixa.
Aos 12 anos, ele é um pouco mais jovem do que o normal para essa aventura, mas seu pai Jamie (Aaron Taylor-Johnson) está convencido de sua capacidade. Juntos, os dois passam uma noite no território dos infectados, e, quando retorna, o menino percebe que há muito sobre o qual seu pai não é honesto.

Uma das descobertas, por exemplo, é a existência do Dr. Kelson (Ralph Fiennes), um médico que – segundo Jamie – enlouqueceu e vive queimando cadáveres. Incerto da honestidade do pai, porém, Spike decide se aventurar no desconhecido novamente, dessa vez levando a mãe Isla (Jodie Comer) junto. Ela sofre de uma doença misteriosa, e se Dr. Kelson não estiver, de fato, perdido na loucura, talvez ele possa ajudá-la.
Os particulares dessa jornada, assim como a forma como o mundo de Extermínio evoluiu nos anos desde o primeiro filme, são melhores guardados em segredo. Basta dizer que Boyle enxerga o roteiro de Garland como uma história de amadurecimento, mas uma que usa os particulares de uma infecção zumbi para falar de como gerações após gerações de jovens são recrutados para a guerra antes mesmo de se entenderem como gente, algo que o cineasta localiza como parte importante da história militar, e cinematográfica, do Reino Unido, literalmente inserindo cenas de filmes e de acontecimentos reais no meio de seu longa, como gritos que ecoam até o fim do mundo e além.

Estes são alguns dos toques de cultura pop que permeiam a direção de Boyle. Ele dirige A Evolução como um clipe de rock nos anos 2000, e digo isso como um grande elogio. Há uma visceralidade na forma como Jon Harris insere frames congelados em sua montagem, ou em como o trio Young Fathers compõe a trilha sonora com sons que estariam em casa nos melhores discos de Radiohead e The Smiths, e ainda mais na fotografia frenética de Anthony Dod Mantle, que filmou todo o filme em iPhones.
Tudo isso tem como origem a sensibilidade de Boyle, que encena toda a ação como só quem cresceu onde e quando ele cresceu poderia. A escolha dos smartphones, além de ecoar o uso de câmeras digitais 480p hoje primitivas no Extermínio de 2002, cria uma tensão poderosa: as imagens na tela são de uma distopia cada vez mais bizarra, mas elas possuem o ruído digital que vemos hoje nas redes sociais.
Extermínio: A Evolução não se apoia em metáforas baratas do aqui e agora. Não há representantes de políticos e bilionários do momento atual. O uso de uma infeção trará o covid-19 à mente, assim como a separação do Reino Unido – em quarentena do resto do mundo – fala do Brexit, mas o contraste que Boyle encontra (ou cria) em todos os aspectos do filme fala em alto e bom som do ruído no centro da vida moderna sem precisar literalizar nada.

O filme transborda com a sensação de que há perigos mil à nossa volta, e a escolha de um pré-adolescente como protagonista da história – construída de ponta a ponta por Garland como um conto sobre a perda da inocência – reforça a triste verdade de que até os mais jovens estão vulneráveis a essas ameaças. Talvez por isso o encontro do menino com Dr. Kelson, quando vem, se revele tão poderoso.
Sobre esta interação basta dizer que Fiennes novamente se confirma como um dos grandes nomes de seu campo, encontrando nuances aparentemente impossíveis num personagem cuja apresentação é intencionalmente exagerada, até para os padrões deste mundo. A dinâmica de Spike com o médico sublinha as propostas de Extermínio: A Evolução de maneiras inesperadamente emocionantes: trata-se de um momento de despertamento para o menino.
Um que sugere que, num universo de tanta agressividade, um ato de bondade – ainda que seja uma morte pacífica, e não nos dentes dos mortos-vivos – é capaz de mudar totalmente sua percepção das coisas. A trama de Evolução continuará em 2026 com Extermínio: Templo dos Ossos (tradução livre de 28 Years Later: The Bone Temple), mas, se acabasse aqui, ela já seria um poderoso exemplo de como usar este gênero tão especulativo para falar de algo profundamente real