Entre o pré-sal e a agenda verde, Brasil busca um modelo de negócio
COP30 em Belém: Brasil apresentará ao mundo um paradoxo climático

Em novembro, quando tiver início a COP30, em Belém, o Brasil apresentará ao mundo um paradoxo climático: será o país que mais investe em novas fronteiras de petróleo na América Latina e, ao mesmo tempo, uma das maiores potências em bioenergia do mundo.
Petrobras é o símbolo dessa dualidade. Nos últimos dois anos, a estatal aprovou investimentos recordes na exploração de petróleo no pré-sal – mais de R$ 500 bilhões até 2029 – enquanto seus executivos discursam sobre transição energética em eventos internacionais.
Para o empresário Dan Ioschpe, que coordena a agenda do setor privado na COP30, essa aparente contradição é, na verdade, uma oportunidade única.
“O Brasil está numa posição de oferecer soluções”, diz Ioschpe. “Temos soluções escaláveis em combustíveis sustentáveis para aviação e transporte terrestre”
A questão é como vender essa narrativa para um público internacional cada vez mais cético em relação às promessas climáticas das petroleiras.
No final de 2024, a Petrobras anunciou a descoberta de novos poços no pré-sal com potencial de produção de 2 bilhões de barris. O problema, do ponto de vista dos ambientalistas, é que esses investimentos acontecem em um momento em que as discussões sobre o “phase out” – a eliminação gradual dos combustíveis fósseis – ganharam força nas conferências climáticas
Na COP28, em Dubai, 200 países (incluindo o Brasil) assinaram um acordo histórico para gradativamente reduzir a produção de combustíveis fósseis.
Guilherme Xavier, diretor-executivo do Pacto Global da ONU no Brasil, reconhece o dilema, mas defende que o Brasil deve considerar sua realidade local. “A discussão sobre o phase out de petróleo depende de negociações globais, mas o Brasil deve considerar sua realidade local e soberania”, disse Xavier.
Para ele, os desafios brasileiros em termos de emissões estão mais relacionados ao desmatamento e ao uso da terra do que à matriz energética. “O setor de transporte é o próximo desafio urgente, exigindo soluções como eletrificação de frotas e desenvolvimento de infraestrutura”.
Enquanto a Petrobras perfura novos poços no Atlântico Sul, o Brasil consolida sua posição como líder mundial em biocombustíveis. O País é responsável por cerca de 25% da produção global de etanol (35 bilhões de litros/ano) e tem capacidade instalada para chegar a 49 bilhões de litros.
Mais importante: o etanol brasileiro tem uma pegada de carbono 90% menor que a gasolina, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). É aqui que Ioschpe vê a grande oportunidade para o Brasil na COP30.
“A agenda climática é forte, com soluções empresariais e acadêmicas em transportes, florestas e energia” diz Ioschpe. “É necessário expandir os mecanismos de financiamento e conectar projetos de descarbonização com recursos financeiros”.
A Petrobras, que historicamente focou no etanol apenas como um braço menor de seus negócios, começou a dar sinais de que pretende levar a bioenergia mais a sério. A empresa anunciou investimentos de R$ 15 bilhões em combustíveis renováveis até 2029 – um valor ainda tímido comparado aos R$ 500 bilhões destinados ao petróleo, mas significativo para os padrões da estatal.
Para especialistas, o grande desafio não está na capacidade técnica do Brasil, mas na articulação financeira para escalar as soluções de baixo carbono.
“É importante conectar projetos de descarbonização, mitigação e adaptação com fontes de financiamento”, afirma Ioschpe. “Garantir que cada recurso seja bem utilizado atrai mais financiamento para projetos sustentáveis”.
Mas enquanto a Petrobras financia facilmente seus projetos de petróleo no mercado internacional – o pré-sal é considerado um dos ativos mais rentáveis do mundo – os investimentos em bioenergia ainda enfrentam resistência dos bancos, que veem o setor como mais arriscado.
Para o Brasil, a COP30 em Belém representa uma oportunidade única de mostrar que é possível ser, ao mesmo tempo, um grande produtor de petróleo e um líder em soluções climáticas. A estratégia do governo é destacar os avanços em bioenergia, conservação florestal e agricultura de baixo carbono.
A Petrobras, por sua vez, promoverá a tese de que seus investimentos em petróleo financiam a transição energética – uma estratégia arriscada, considerando o ceticismo crescente dos ambientalistas em relação às promessas climáticas das petroleiras.