Trump inicia gestão com mais de 100 medidas e risco de judicialização
Ordens executivas de Trump devem enfrentar questionamento jurídico. Algumas contrariam cláusulas básicas da Constituição norte-americana
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não deu descanso para a caneta desde que foi empossado em Washington, na segunda-feira, (20). Ele já assinou mais de 100 ordens executivas e medidas administrativas, alterando regras sensíveis do país. Algumas delas, no entanto, apesar das intenções do republicano, têm chance alta de serem alvo de judicialização.
Entenda o caso
- Donald Trump assumiu o cargo, na segunda-feira, (20), e assinou mais de 100 ordens executivas e medidas, como decretos.
- Entre essas normas, está o decreto que cancela o direito à cidadania norte-americana por filhos de imigrantes ilegais nascidos no país.
- Para juristas dos EUA e do Brasil, o risco de judicialização é alto. Não só dessa medida, mas de outras ordens emitidas por Trump no primeiro dia de seu governo.
Trump assumiu o cargo pela segunda vez, com forte discurso contra a imigração. Além do decreto que cancela o direito à cidadania norte-americana para filhos de imigrantes ilegais que nascem no país, ele anunciou a definição de emergência nacional na fronteira com o México e suspendeu a entrada de refugiados por prazo inicial de 90 dias.
À luz do direito internacional, essas e diversas outras medidas de Trump são passíveis de questionamento judicial e devem render enfrentamentos futuros.
“Essas medidas refletem uma estratégia polarizadora que prioriza temas de forte apelo à base eleitoral de Trump, mas muitas delas enfrentam barreiras jurídicas significativas, especialmente em questões que tocam direitos fundamentais, como nacionalidade por nascimento e políticas de gênero. O risco de judicialização é altíssimo e deve gerar grandes batalhas nos tribunais dos EUA”, disse o advogado e professor de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Solano de Camargo.
Medidas de Trump com risco de judicialização
Veja as principais medidas e temas mencionados nas ordens executivas de Trump. Abaixo segue subdivisão dessas normas, a partir do nível do risco de judicialização – baixo, médio, alto ou altíssimo.
Risco altíssimo
- Fim do direito à cidadania norte-americana para filhos de imigrantes ilegais nascidos nos EUA: a medida entra em conflito diretamente com a 14ª Emenda da Constituição, que garante a nacionalidade norte-americana a todos os nascidos nos Estados Unidos. A alteração desse direito exigiria emenda constitucional.
- Suspensão inicial por 90 dias da entrada de refugiados nos EUA: a Lei de Imigração e Nacionalidade do país prevê a ação do presidente na restrição de entradas, conforme o interesse da segurança nacional. Apesar disso, o risco de judicilização é altíssimo por possível violação de tratados internacionais, como a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967.
- Suspensão inicial por 60 dias de programas de diversidade e inclusão: o presidente pode modificar políticas executivas, mas pode, também, enfrentar a Cláusula de Proteção Igualitária da 14ª Emenda da Constituição. O risco de judicialização é altíssimo, pois a medida é vista, manifestamente, como discriminatória e violadora do princípio do não retrocesso.
- Definição do sexo como classificação biológica imutável (“só existe homem e mulher”): medida conflita diretamente com decisões da Suprema Corte que protegem direitos da comunidade LBGTQIAPN+, conforme a Lei de Direitos Civis de 1964. Ela tem risco altíssimo de ser judicializada e barrada.
- Revogação de políticas de sustentabilidade e autorização à exploração doméstica de recursos naturais: alterações ambientais nos EUA devem seguir as regras da Lei de Procedimento Administrativo e de leis ambientais, como a Lei do Ar Limpo. O risco de judicialização da medida é altíssimo, pois tem forte oposição de grupos ambientais.
- Fim das contratações federais de inclusão, baseadas em etnia, sexo ou religião: medida pode conflitar com a Cláusula de Proteção Igualitária da 14ª Emenda da Constituição e a Lei de Direitos Civis de 1964. Pode ser interpretada como discriminatória.
Risco alto
- Declaração de “emergência nacional” na fronteira com o México: a Lei de Emergência Nacional de 1976 permite a declaração presidencial de emergências nacionais, mas há risco alto de judicialização, quando não houver comprovação de uma emergência concreta.
- Expulsão de imigrantes ilegais e finalização da construção do muro na fronteira: a deportação está prevista na Lei de Imigração e Nacionalidade, mas a construção do muro depende de fundos aprovados pelo Congresso. O risco de judicialização é alto, principalmente se houver aplicação de recursos sem autorização prévia do legislativo.
- Suspensão de materiais que promovam “ideologia de gênero”: o presidente dos EUA pode suspender materiais utilizados em programas educacionais ou federais, mas a medida pode ser contestada como violação de liberdade de expressão.
- Suspensão da entrada de imigrantes pela fronteira sul (México): a medida é amparada pela Lei de Imigração e Nacionalidade dos EUA, mas pode ser vista como discriminação ou violação de direitos de asilo.
Risco médio
- Fortalecimento do papel militar na fronteira com o México: essa ação é regulada pela Lei de Posse Comitatus, que limita o uso das forças armadas em funções civis, e tem potencial médio de contestação jurídica, pois pode ser vista como abuso de poder.
- Orientação ao procurador-geral para incentivar a pena de morte: a pena de morte é permitida nos EUA, mas deve respeitar a Cláusula do Devido Processo da Constituição norte-americana. A medida tem risco médio de judicialização, especialmente se for aplicada de forma discriminatória e acelerada.
- Aumento de penas e deportações para imigrantes ilegais: a medida é amparada pela Lei de Imigração e Nacionalidade, mas deve respeitar direitos constitucionais. Em caso de violações do devido processo legal, pode ser alvo de judicialização.
Risco baixo
- Perdão aos invasores do Capitólio: o poder de perdão está assegurado pela Constituição. Pode render investigações políticas sobre abuso de poder, futuramente.
- Congelamento das contratações federais: é prerrogativa do presidente a adoção de medidas administrativas no funcionalismo público.
- Fim do home office para funcionários federais: da mesma forma, é prerrogativa do presidente esse tipo de alteração.
- Saída do Acordo Climático de Paris: o presidente pode retirar o país de tratados não ratificados pelo Senado.
- Saída dos EUA da Organização Mundial de Saúde (OMS): o presidente pode retirar os EUA, seguindo normas de aviso prévio da organização.
- Renomeação do Golfo do México para Golfo da América: essa decisão é, principalmente, simbólica, feita por meio do conselho norte-americano que trata de nomes geográficos.
- Saída do Acordo Global de Tributação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): o presidente pode retirar o país de acordos multilaterais não vinculativos.