Margem Equatorial: o Brasil precisa
Quando a diretora de Exploração e Produção da Petrobras, uma geóloga com mais de 40 anos de prática, diz que, em menos de uma década, pode faltar petróleo nacional para o consumo interno não é sensato ignorá-la
Nas décadas de 1970 e 1980, primeiro eu vi crescer o sonho de um Brasil pobre enriquecer para depois ver o seu desmoronar. A alegria de ter a casa própria, o seu primeiro carro e o aumento do nível de consumo pessoal foi, respectivamente, sucedida pela dificuldade de pagar a prestação, pagar o consórcio, ir à feira ou ao supermercado e voltar para casa com cada vez menos.
E na raiz dessa verdadeira tragédia que era a incompatibilidade das nossas necessidades energéticas com os nossos meios financeiros estava um fato: não tínhamos petróleo.
Talvez seja por isso que eu tenha dificuldade em entender o porquê tem tantas pessoas contra o desenvolvimento da exploração do petróleo na Margem Equatorial na costa norte.
Os ajustes feitos em meados da década de 1960 e os investimentos puxados pelo Estado permitiram, no início dos anos 1970, que o país entrasse numa trajetória de crescimento econômico acelerado que fez com que muitos indicadores sociais começassem a melhorar.
Além da melhora interna das finanças públicas, levada a cabo por Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, respectivamente ministro da Fazenda e ministro do Planejamento durante o governo Castelo Branco, foi o aumento da liquidez internacional causado pelos gastos americanos, sobretudo por causa da Guerra do Vietnam, que permitiu o financiamento do crescente déficit em conta corrente do Brasil.
Quanto mais rápido crescia, mais o Brasil precisava de capital para investir. Importava máquinas para as novas fábricas. O consumo de energia aumentava: grandes hidroelétricas eram projetadas e construídas. A importação de petróleo crescia: o país produzia pouco, não tinha petróleo em terra e a tecnologia de exploração no mar era rudimentar.
O país se endividava para continuar crescendo rápido. Algo razoável, mas que implica riscos maiores. O risco se concretizou quando a Opep subiu o preço do petróleo de US$ 2 para US$ 12 em 1973. Foi o primeiro choque do petróleo. Em 1973, na França, eu vi o desespero do governo Giscard d’Estaing: racionamento, juros mais altos, aumento do desemprego, desvalorização do câmbio.
Era o final do governo Médici, tudo calmo, bastava um pouco mais de endividamento. Para acalmar o povo, o governo francês dizia: nós não temos o petróleo, mas nós temos as ideias. Ao voltar ao Brasil, ouvi gente ridicularizando os franceses. No Brasil, o governo optou por tomar mais dinheiro emprestado e manter o ritmo de crescimento.
Conseguimos durante um bom tempo. Afinal, o Brasil parece ter recursos naturais inesgotáveis. Mas em 1978 veio o segundo choque do petróleo. A aceleração da in-flação nos EUA levou o Federal Reserve, sob a direção de Paul Volcker, a subir os juros americanos para 22% e, na prática, já muito endividados e com crédito internacional restrito, quebramos.
O petróleo, pago em dólares, encareceu e a inflação ficou fora de controle, os investimentos privados escassearam, as receitas fiscais se tornaram ainda mais insuficientes. Os anos terríveis começaram. Uma real recuperação só começaria após um aumento da liquidez internacional e o excepcional desenvolvimento da exploração do petróleo no mar feito pela Petrobras.
A crise nos custou 20 anos de crescimento baixo. Não foi uma, foram pelo menos duas décadas perdidas. O país hoje produz mais de 3,5 milhões de barris de petróleo ou equivalente por dia, acumulou reservas de US$ 370 bilhões, a pergunta é: o passado pode se repetir? Podemos dispensar o potencial produtivo da Margem Equatorial?
Uma conta simples diz o seguinte: se daqui a 10 anos o Brasil tiver crescido num ritmo normal, estiver consumindo 5 milhões de barris de petróleo por dia, o petróleo estiver em moeda corrente de hoje a US$ 75 e o país tivesse que importar essa quantidade toda, estará gastando US$ 365 milhões por dia, o que dá US$ 133 bilhões por ano. Em três anos, as reservas, se não tiverem aumentado, acabariam.
É óbvio que essa conta pode ser acusada de artificial. A tecnologia – carros elétricos, por exemplo – pode ter reduzido o consumo de petróleo. Vários exemplos podem ser desenhados. Mas, em todos os casos mais realistas, as reservas cambiais diminuem perigosamente se o petróleo for se esgotando. E o único jeito de tentar se evitar a potencialização de uma crise seria comprimir os gastos governamentais discricionários de uma forma impossível.
A pergunta é: estamos caminhando para uma situação semelhante se o petróleo dos campos hoje explorados acabar? A resposta é: sim.
Quando a diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, uma geóloga com mais de 40 anos de prática, diz numa entrevista que, em menos de uma década, pode faltar petróleo nacional para o consumo interno não é sensato ignorá-la.
Finalmente, desde o início da exploração no mar, a Petrobras tem mantido um histórico extremamente bem-sucedido no que tange especialmente o controle de potenciais acidentes ambientais. Tendo desenvolvido tecnologia própria e absorvido tecnologia externa, o histórico da Petrobras de segurança é exemplar no mundo. Embora as dificuldades técnicas sejam grandes, ela certamente tem mais que a capacidade de controlá-las, e o país não pode ficar como Hamlet: hesitando sobre o que deve se fazer.
Seguindo as boas práticas da Fundação Getúlio Vargas, declaro que as opiniões acima são minhas e não refletem necessariamente uma opinião institucional.
Fonte: Correio Braziliense