Crítica

“Faça Ela Voltar” aposta na melancolia para acertar no terror de trauma

Irmãos Philippou dão passo adiante com maturidade - e sangue - após o bom "Fale Comigo"

Ao escrever sobre Corpo Fechado na nossa lista de 25 Melhores Filmes de Heróis do Século 21, apontei sobre a pressão que M. Night Shyamalan sofreu ao entregar seu filme seguinte ao fenômeno O Sexto Sentido. Longe de querer comparar o terror estrelado por Bruce Willis com Fale Comigo, mas é justo dizer que os irmãos Danny e Michael Phillippou dirigiram um dos filmes de terror mais elogiados dos últimos anos e que figurou em várias listas de melhores de 2022. A história colocou os dois no radar e criou sim uma grande expectativa para seu projeto seguinte. Depois de não conseguirem seguir na adaptação live-action de Street Fighter, os dois retornaram ao gênero do terror com Faça Ela Voltar, agora totalmente produzido pela A24 – o filme anterior havia sido apenas distribuído. 

A trama acompanha Andy (Billy Barrat) e Piper (Sora Wong), que após a morte do pai, vão viver em um lar adotivo até que Andy faça 18 anos e possa assumir a guarda da irmã. Na nova casa, eles são recebidos por Laura (Sally Hawkins), uma mulher, aparentemente feliz, que vive com uma outra criança, Oliver (Jonah Wren Phillips). A partir daí, a história se desenrola em uma mistura de obsessão, luto, sangue e rituais obscuros.

Ao contrário do filme anterior, que trabalhava o trauma a partir da efervescência da juventude ao desafiar a maldição como um ato de rebeldia, Faça Ela Voltar está muito mais interessado na melancolia e na dor. É sim mais um filme que aborda a relação de pais e filhos e a perda traumática de alguma dessas partes. É sintomático que esse seja o tema preferido da nova geração do terror, tendo em vista a atual distância nas relações sociais, catapultadas por aplicativos e algoritmos, as perdas com a pandemia, crises econômicas, vícios em opióides… o cinema de terror sempre reflete os medos de seu tempo. Faça Ela Voltar se debruça no drama das quebras familiares e na ideia de que realmente tudo está ao nosso alcance, até mesmo a morte.

Os diretores dão tempo para que possamos entender cada um dos elementos que compõem essa história de obsessão. Conhecemos cada cômodo da casa de Laura e os espaços do lado de fora. A mulher age como num jogo de estratégia, isolando e aproximando cada um dos outros moradores do local de acordo com suas necessidades físicas ou emocionais. O relacionamento de Andy e Piper é bem estabelecido e a cegueira da menina versus o testemunho ocular dele ao corpo do pai caído no banheiro é essencial para a tensão que se seguirá na trama. O mesmo vale para Laura e a incrível atuação de Sally Hawkins. Ela vai da estranheza para a ternura e segue para a maldade, com uma simples troca de fisionomia ou tom de voz, dominando grande parte do filme, principalmente o ato final.

O próprio comportamento de Oliver vai ganhando pistas a cada nova aparição e vale dizer que o jovem Jonah Wren Phillips é uma força nos momentos mais incômodos e terríveis que os Phillippou criaram nos seus dois filmes. As cenas da faca e depois com Oliver tendo que se alimentar a qualquer custo são de fazer até os mais fortes virarem o rosto.

Faça Ela Voltar é, no fim das contas, um filme muito mais triste do que aterrorizante. A chuva, a lama, a fotografia cinza do lado de fora da casa, tudo contribui para essa depressão que é mostrada em tela até o último momento do filme. Impressiona como todos os quatro personagens principais da trama ganham seu momento e sua força, mostrando o domínio que a dupla de direção tem sobre a história que querem contar.  É um trabalho que mostra a maturidade de Danny e Michael Phillippou e que vai deixar ainda mais gente de olho em seus próximos projetos.

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