“Missão Impossível – O Acerto Final” é o bagunçado e grandioso adeus de Tom Cruise
Saiba tudo sobre o último filme da franquia de ação, direto do Festival de Cannes

Com o passar do tempo, Missão: Impossível se tornou uma aposta contra si mesma. O espírito da série se tornou inseparável daquele que existe em seu principal astro, um homem cujos feitos cada vez mais inacreditáveis colocam em tela sua disposição de sacrificar tempo, dinheiro e – o mais importante – seu próprio corpo em nome do cinema. Eu não sei no que mais Tom Cruise acredita, mas sei que ele acredita no cinema. Com O Acerto Final, certamente o último filme da saga (ao menos por um bom tempo), ele leva essa crescente cadeia de riscos até o espiritual.
Um falso deus – ou, nas palavras do filme do diretor Christopher McQuarrie, um anti-deus – ameaça destruir toda a humanidade numa tentativa bizarra de salvá-la. Aniquilando praticamente todo o planeta numa guerra nuclear contra todos, a Entidade busca deixar vivos apenas aqueles que se renderem à sua inteligência artificial supostamente infalível. Capaz de prever, alterar e enganar, o algoritmo é por vezes chamado de “Senhor das Mentiras”, uma expressão cuja proximidade com o nome dado a Satanás por Jesus em João 8:44 é apenas a primeira de muitas pistas do papel de Ethan Hunt nesta história. Ele é o Messias, ou ao menos um evangelista pregando a palavra da verdade. No lugar de um livro de capa preta, ele tem sequências de ação que, ao menos fisicamente, se anunciam como as mais espantosas de todos os oito filmes de Missão: Impossível.

Meses depois de escapar com a chave em forma de cruz no final de Missão: Impossível – Acerto de Contas, Hunt e sua equipe se reencontram para compartilhar suas descobertas. Luther (Ving Rhames) preparou uma “pílula venenosa” digital que deve neutralizar seu inimigo. Benji (Simon Pegg) sabe como encontrar o submarino Sevastopol, onde está o código fonte do computador. Grace (Hayley Atwell), agora treinada pela IMF, será seu braço direito na luta. E a mais nova recruta do time, Paris (Pom Klementieff)… bom, ela está lá para matar Gabriel (Esai Morales), que inicia o filme não mais como o avatar humano da Entidade, mas sim como um anjo caído que, no lugar de servir, quer controlar seu antigo mestre.

Daí em diante, O Acerto Final gasta a primeira de suas quase três horas num preparo de terreno que deixa bem claro como o filme foi construído depois de decolar. Esse quê de improviso, algo comum nas produções Cruise/McQuarrie, tem até então sido benéfico. Conforme a dupla conseguia autorização (e financiamento) para filmar num lugar, seja num país ou num submarino, o filme era adaptado para incluir mais uma parada na agenda de Ethan Hunt, e lá Cruise desafiava as leis da física novamente.

O que permitia esse grau de maleabilidade, porém, é o que falta aqui: simplicidade. É claro que O Acerto Final é simples em seu último objetivo: salvar o mundo. No mover das peças, as melhores destas aventuras – como Efeito Fallout e Protocolo Fantasma – são surpreendentemente simples. Claro, os desafios diante de Hunt beiram o impossível, mas a carga expositiva de cada narrativa era mediada por doses bem-vindas de humor, MacGuffins bem localizados e um ritmo ditado mais pelos personagens do que pelas circunstâncias globais.

Aqui, a necessidade constante de Cruise e McQuarrie de se superarem, a mesma motivação que nos dá os mais espetaculares momentos da saga, se vira contra eles. Tanto no estabelecimento dos riscos e jogadores – você perderá a conta de quantos atores com rostos conhecidos aparecem por apenas cinco minutos* – quanto na criação de um peso emocional digno de um grand finale, O Acerto Final é engolido por si mesmo.

Na busca por apresentar o filme como uma conclusão inevitável do que começou lá trás em 1996, o texto de McQuarrie e Erik Jendresen insere tantas referências e conexões pessoais a episódios anteriores que Missão: Impossível passa a beirar níveis Harry Potter-ianos de “o escolhido”, usando até essa expressão arquetípica em determinado momento. Algumas dessas pontes, como uma que resolve o maior mistério da saga, funcionam; outras, que dão a personagens laços familiares quase risíveis, poluem o filme ao ponto de flertar com um desastre nível 007 Contra Spectre.
