Crítica

Luc Besson reenergiza “Drácula” com a volta do amor romântico

Diretor acomoda bem o clássico de Bram Stoker no seu cinema de juventude e inocência

Os românticos originais do século XVIII desprezavam a aristocracia francesa. Pode parecer contraditório que um movimento cultural dedicado às emoções sem amarras fosse contrário aos excessos da corte de Luís XV, e muito disso se explica pelo ressentimento que germânicos nutriram por seus vizinhos no século que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos. De qualquer forma, o Romantismo nasceu essencialmente como um movimento plebeu – e defender os ricos nunca foi sua bandeira.

Drácula – Uma História de Amor Eterno ilustra essa situação numa cena em que o príncipe romeno Vlad (Caleb Landry Jones) visita a corte “de um dos reis Luís, perdi a conta de qual deles”, diz o jovem Drácula. Vlad já amarga as penúrias da vida eterna há mais de duzentos anos, desde que renegou a Deus quando sua amada princesa Elisabeta (Zoë Bleu) foi morta na flor da idade. O príncipe procura Elisabeta em outras mulheres, desenvolveu um método para seduzi-las, mas a franca disposição para a volúpia das aristocratas francesas o enjoa. O Drácula de Landry Jones – rapidamente descobrimos nessa releitura escrita e dirigida por Luc Besson – é acima de tudo um monogâmico.

Se o filme de Besson desponta como uma adaptação cheia de frescor do clássico de Bram Stoker, isso se deve, em boa medida, a essa reabilitação do ideal do amor romântico e principalmente à recusa de fazer do príncipe o aristocrata guerreiro que muitos enxergam no Empalador.

Ao contrário de um filme como Drácula: A História Nunca Contada (2014), em que Luke Evans abraça o épico de ação porque o imaginário de super-heróis daquele período consagra o militarismo, Besson sublinha que a guerra, que Vlad encampa a contragosto em nome da Igreja, é toda a fonte de sua tragédia. Não se esperaria outra postura de um país de tradição secularista, nem de um cineasta que provavelmente se enxerga como o eterno plebeu agnóstico no cinema francês, jamais incorporado à aristocracia do circuito de prestígio.

A filiação é clara e oferece o prazer da consistência. Este Drácula tem parentesco com os contos de fada cartunescos que Besson realiza de tempos em tempos para renovar sua fé na juventude e na inocência. Que o mesmo material possa render filmes diametralmente opostos como o Nosferatu (2024) de Robert Eggers e este Drácula é um grande atestado da vitalidade de Stoker e principalmente do vigor do Romantismo em tempos de cinismo.

Eggers também enxerga o movimento como vetor de questões sociais – de Murnau a HerzogNosferatu sempre empurrou Drácula mais para a narrativa de pulsões psicossociais – e Besson isola o Romantismo naquilo que o movimento tem de essencial: é menos sobre o desejo em si e mais sobre o querer desejar.

Daí que mesmo sendo um filme cheio de cores e contrastes este Drácula não é especialmente sangrento e, à exceção da montagem inicial que ilustra a maratona de sexo entre Vlad e Elisabeta em vida, sequer é o mais voluptuoso. Toda a pulsão se interioriza nas caretas de sofrimento que Landry Jones conjura tão bem, ator de expressividade que Besson adotou depois de trabalharem juntos em Dogman (2023), espelhando as parcerias que o diretor firmou nos anos 1990 com dois outros rostos de pura expressividade, Milla Jovovich e Gary Oldman. Besson diz que só realizou este Drácula para presentear Jones com o papel, e no fim seu Drácula romântico de cartum chega plenamente formado e adequado para o que o filme propõe.

Talvez seja menos sobre o material em si, e o que supostamente ainda seja possível tirar de Bram Stoker em termos de novidade, e mais sobre a consistência do projeto estético como um todo. Tudo parece no lugar neste Drácula, que afinal de contas tomou a decisão arriscada de suprimir o desejo puro e simples em favor de uma versão idealizada do desejo.

Que Christoph Waltz ofereça uma versão não-oficial de Van Helsing plenamente condizente com o antagonismo que se espera entre um vampiro desesperado e um padre transbordante de fé – figura absolutamente “waltziana”, entediada de tamanha virtuosidade – só atesta como o cinema de tipos, cores e expressões de Besson funciona quando bem encaixa suas partes. Em reação não só ao cinismo, mas também a um certo cinemão de gênero que se deseja popular mas recusa todos os mecanismos e prazeres que de fato permitem torná-lo popular, este Drácula definitivamente diz a que veio.

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