BR-319 – A estrada brasileira que some no mapa: por que uma das principais rodovias (BR) nunca foi pavimentada de verdade?
Rodovia permanece como desafio nacional, unindo questões ambientais, abandono estatal e demandas regionais ao longo de quase mil quilômetros entre Manaus e Porto Velho

A BR-319, rodovia federal que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) em um trajeto de 918 quilômetros cortando o coração da Floresta Amazônica, representa um dos maiores impasses da infraestrutura rodoviária do Brasil.
Inaugurada em 1976 para conectar o Norte ao restante do país, a estrada nunca foi completamente pavimentada de forma efetiva e, desde então, tornou-se símbolo de abandono, desafios logísticos e debate ambiental.
Mesmo reconhecida por sua importância estratégica, a BR-319 permanece, em grande parte, intrafegável durante a estação das chuvas. Cerca de 400 quilômetros do percurso continuam sem asfalto, com pontes de madeira precárias e trechos que desaparecem no mapa oficial em função da deterioração.

Ao longo das últimas décadas, o descaso com a manutenção transformou a rodovia em um eixo vulnerável a crimes ambientais e ao crescimento do tráfico, garimpo ilegal e contrabando, impulsionados pela expansão de cidades ao longo da estrada.
Falta de fiscalização
De acordo com auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2020, a ausência de fiscalização e de presença efetiva do Estado brasileiro na região é o principal fator que favorece ilícitos ambientais. Iniciativas de monitoramento como o Comitê Gestor da BR-319, criado em 2009, foram extintas sem avaliação conclusiva.
No atual contexto, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Amazonas opera com apenas 106 policiais para toda a extensão, número considerado “flagrantemente insuficiente para atender às crescentes demandas regionais”, segundo relatório do Grupo de Trabalho da BR-319 do Ministério dos Transportes.
Esse contingente reduzido reflete-se na dificuldade de fiscalização, agravada pela infraestrutura precária. “A alta rotatividade de policiais e a ausência de incentivos, como a indenização de fronteira, dificultam a permanência dos agentes em regiões isoladas como Humaitá (AM)”, informa o documento.
Apesar desses desafios, entre janeiro de 2024 e abril de 2025, a PRF registrou 37 crimes ambientais ao longo da rodovia, incluindo apreensões de madeira ilegal, pescado irregular e drogas.

Impasse entre desenvolvimento e preservação ambiental
Além dos entraves operacionais, o debate em torno da pavimentação da BR-319 opõe interesses econômicos e ambientais.
Empresários, representantes do agronegócio e políticos regionais pressionam pela conclusão da obra, considerada fundamental para o escoamento da produção, abastecimento da região e integração de Manaus ao restante do país por terra.
Por outro lado, ambientalistas e órgãos como o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima destacam os riscos de aumento do desmatamento e de danos irreversíveis à biodiversidade amazônica.
Segundo a ministra Marina Silva, o desmatamento na região “aumentou cerca de 119% apenas com o anúncio da estrada”.

Debates recentes e legislação sobre a BR-319
A discussão se intensificou após a aprovação do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, em maio de 2025, no Senado Federal.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) defendeu a urgência da pavimentação: “Essa obra que a gente tanto pede, já fez tantos apelos e que tem um compromisso de o presidente Lula de fazer… [A rodovia] vai ser asfaltada agora. Pela nova lei, elas [estradas] podem ser asfaltadas sem precisar de licenciamento nenhum”.
Aziz também lembrou que o isolamento de Manaus contribuiu para a crise de oxigênio durante a pandemia de covid-19, quando mais de 15 mil pessoas morreram na capital amazonense.
Enquanto isso, a ministra Marina Silva ressalta a necessidade de uma Avaliação Ambiental Estratégica para a BR-319, com o objetivo de evitar que a região repita o padrão de destruição ambiental visto em outras rodovias amazônicas. “Não dificulta nem facilita, cumpre a lei”, afirmou a ministra, referindo-se ao papel técnico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Ela também questionou a falta de ações nos anos anteriores, enfatizando a responsabilidade das gestões passadas.
Ausência do Estado e impactos sociais na rodovia
O deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM) acrescenta outra dimensão ao problema: a ausência do Estado brasileiro na região não se limita à falta de policiamento, mas abrange carências em saneamento, água potável e acesso à saúde: “O problema em si não é a existência da BR-319, é a ausência do Estado brasileiro na região”, avalia o parlamentar.
Mandel defende maior flexibilidade na utilização do Fundo Amazônia para fortalecer o combate ao crime organizado, argumentando que o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas financiam o desmatamento ilegal e os incêndios florestais.