
Nas últimas semanas, surgiram pressões públicas e veladas para que a COP30 seja transferida de Belém para outra cidade brasileira, mais conectada à malha internacional, mais confortável para delegações empresariais e, segundo dizem, mais “preparada” para um evento desse porte.
Por trás dessa retórica técnica esconde-se uma velha tentação civilizatória: falar sobre a Amazônia sem jamais pisar nela. Discutir a floresta a partir de salões refrigerados a milhares de quilômetros de distância.
Defender povos originários sem nunca dividir com eles o calor, a ausência de saneamento ou a insegurança alimentar que os assola.
A decisão de sediar a COP30 em Belém, tomada em 2023 com o endosso da ONU, carrega uma dimensão simbólica e geopolítica que não pode ser ignorada. A capital paraense é a única metrópole da Amazônia Legal com porte e infraestrutura capazes de receber uma conferência global.
Mas ela é, também, o retrato vivo das contradições que permeiam o debate climático: rica em biodiversidade, mas limitada em investimentos públicos; estratégica para o planeta, mas negligenciada nas políticas de desenvolvimento nacional e internacional.
A crítica que se esboça à escolha de Belém parte do pressuposto implícito de que a agenda ambiental deve ser conduzida por centros urbanos consolidados, com redes hoteleiras cinco estrelas e conectividade aérea fluente.
Exige-se, paradoxalmente, uma COP neutra em carbono, mas com voos intercontinentais em conexão por grandes centros. Deseja-se debater justiça climática, mas evita-se qualquer contato com a realidade dos que mais sofrem com a desigualdade ambiental.
É legítimo discutir gargalos logísticos, tarifas abusivas de hospedagem e limitações de infraestrutura. Mas não é legítimo usar essas dificuldades como justificativa para apagar a Amazônia da centralidade do debate. Se a floresta é relevante para o mundo, então é em seu território que os compromissos devem ser firmados. Se os países desenvolvidos reivindicam liderar a transição energética e os fundos climáticos, então é justo que enfrentem, presencialmente, os desafios e desconfortos que hoje recaem sobre populações inteiras que protegem a biodiversidade sem acesso à prosperidade.
Segundo dados do IBGE e do IPEA, os estados da Amazônia Legal concentram os piores indicadores sociais do Brasil. No Pará, por exemplo, apenas 17% da população tem acesso a esgotamento sanitário adequado. Em municípios amazônicos, como Lábrea (AM) ou Anajás (PA), mais de 60% da população vive com menos de meio salário mínimo per capita. Ainda assim, essas comunidades preservam mais de 80% de suas florestas nativas — um esforço ambiental involuntário, mas extraordinário, que não é adequadamente recompensado.
É nesse contexto que se revela o verdadeiro negacionismo. Não aquele que rejeita o aquecimento global – hoje minoritário -, mas o negacionismo das causas estruturais da degradação ambiental: pobreza, ausência do Estado e desigualdade internacional.
Quando empresas e governos que defendem metas de neutralidade de carbono se recusam a ir à Amazônia, o que está em jogo não é apenas a conveniência logística. É a recusa em reconhecer que o subdesenvolvimento ambiental é um subproduto da omissão financeira global.
Segundo a Climate Policy Initiative, menos de 3% dos recursos climáticos globais foram destinados à Amazônia entre 2015 e 2022. O Green Climate Fund, principal mecanismo multilateral do Acordo de Paris, liberou ao Brasil valores muito inferiores aos montantes recebidos por países com menor cobertura florestal. Em relatório recente, o Banco Mundial reforçou que o financiamento internacional para projetos sustentáveis ainda está distante da escala necessária para transformar a região.
Não é possível exigir da Amazônia aquilo que não se entrega. Preservar, sim – mas com escolas, internet, crédito, segurança e geração de renda. Proteger, sim – mas com acesso a água potável, eletricidade limpa e conectividade logística. Belém é, por isso, o palco necessário dessa discussão. Não apenas pela força simbólica, mas porque a COP30 pode ser a primeira a colocar o desenvolvimento social no centro da política climática.
Transferir a conferência para outro ponto do país seria sinalizar que os líderes globais desejam soluções sem desconforto. Que desejam ver a Amazônia de cima, pelas janelas de jatos, sem ouvir seus habitantes. Que aceitam metas, mas recusam compromissos concretos com os custos da transformação.
A floresta não precisa apenas de discursos, mas de presença. Não de promessas, mas de partilha. Se há desconforto em realizar a COP30 em Belém, que ele seja parte do aprendizado.
O mundo precisa ver a floresta de perto – e compreender que preservar exige investir. E que justiça climática sem justiça social será sempre uma contradição.