Alheio ao terror, “O Ritual” encara a possessão como uma questão de fé
Longa com Al Pacino investe no drama documental para não se sustentar em jump scares

É curioso pensar que a adaptação em filme da história real que inspirou O Exorcista, um dos clássicos definitivos do gênero de horror, não seja baseada no medo que poderia causar ao espectador. Em uma era onde as produções de terror buscam novas formas, linguagens e texturas para aterrorizar o público, O Ritual se afasta da fórmula básica e busca outras ferramentas do cinema para entregar outro tipo de experiência quando assistimos a um filme do gênero. Uma escolha no mínimo interessante.
O que mais evidencia isso é a forma documental com a qual o diretor David Midell optou para contar a história de Emma Schmidt (Abigail Cowen), jovem cujo caso de possessão, registrado em 1928, se tornou o mais emblemático dos Estados Unidos. Na trama, o padre Steiger (Dan Stevens), líder de uma pequena paróquia no coração do país, recebe a ordem de abrigar a jovem em questão, que enfrenta problemas sérios de saúde que a Igreja acredita tratar-se de uma possessão. Para praticar o ritual de exorcismo, o veterano padre Theophilus (Al Pacino) é convocado como líder da “missão”.

Como a própria divulgação do longa deixa claro, é fácil ver a trama de O Ritual se espelhar (na verdade, é o contrário) na de O Exorcista. Steiger, padre jovem e com a fé em crise, serviu de inspiração para o padre Karras (Jason Miller), enquanto o experiente Theophilus deu origem ao icônico Merrin (Max von Sydow). Mas enquanto o clássico de William Friedkin redefiniu o gênero de terror com a tensão dos sustos embaladas no visual e trilha sonora, o filme de Midell investe no drama para contar a jornada de seus personagens.

De luto pela morte do irmão, Steiger é o retrato de um homem eclesiático com a fé em frangalhos. Mesmo disposto a manter sua posição como líder da paróquia, sua descrença na situação de Emma o posiciona como o elo fraco para os rituais do exorcismo, que devem ser feitos em partes pela situação delicada da jovem. Isso aumenta não apenas o drama de sua jornada, potencializada ainda mais pela clara tensão sexual envolvendo ele e Rose (Ashley Greene), uma das freiras sob sua liderança, como os perigos no combate ao demônio possessor.

No caso de Theophilus, que no passado falhou na primeira tentativa de exorcizar Emma, sua tensão é devido à culpa que carrega pelo episódio fracassado. Pacino, mesmo atuando sem o brilho de outrora, dá ao personagem um aspecto exausto, de um idoso cansado de carregar o fardo de estar sempre na linha de frente no combate contra o Diabo. E a câmera nervosa de Midell abusa dos closes fechados nos rostos de seus personagens para destacar ainda mais essa dor; de Steiger a Emma, todos parecem existir com o mundo sob seus ombros, e é sob esta ótica documental – fortalecendo a descrição de “baseado em uma história real” – que assistir a um filme sobre exorcismo sem toda a angústia do susto inesperado fica mais interessante.

O constraste da fé – e da falta dela – de Steiger, Theophilus e das freiras da paróquia é o grande motor do longa. O embate entre os dois sobre o estado de Emma e como lidar com isso é apenas o ponto inicial da trama, que não se limita à dupla protagonista. Se O Ritual encara a luta contra a possessão como uma questão de crença, então todos os envolvidos estão em jogo. Rose, por exemplo, questiona a raiva inconsciente que sentiu de Emma ao ser atacada durante um dos rituais. Ela entende o estado mental da garota, mas não consegue se despir dos sentimentos negativos que a agressão lhe trouxe – um verdadeiro convite ao prazer para espíritos malignos.

Priorizar o retrato documental da história real de Emma não significa que O Ritual não tenha seus momentos de horror. Estes, no entanto, são entregues sem muita inspiração. Não se entregar à vontade de usar jump scares para elevar o horror que esperamos de um filme como esse, no final, acaba sendo sua maior virtude. Uma decisão que pode desagradar aos fãs mais fervorosos do gênero, mas que não deixa de ter seu valor, mesmo que o drama em si não seja inesquecível.
