China investe para disputar espaço com gigantes do agronegócio no Brasil e em novos mercados
Além de comprar nossa soja, China quer entrar nas fazendas brasileiras com tecnologia, IA e sementes adaptadas para disputar espaço com gigantes nacionais

A presença da China no agronegócio brasileiro não se limita mais à compra da soja. Agora, o país asiático investe diretamente no desenvolvimento de tecnologias voltadas à produção dentro das fazendas. Isso inclui setores como biotecnologia, transgenia e desenvolvimento de novos produtos.
A movimentação mostra que os chineses querem disputar espaço com as grandes empresas já estabelecidas no Brasil.
Laboratório chinês mira padrões do mercado do Brasil
A iniciativa chinesa tem como objetivo oferecer alternativas ao produtor brasileiro. Weicai Yang, do Yazhouwan National Laboratory, afirma que a competição é saudável.
Segundo ele, dar novas opções ao mercado impede a dependência tecnológica de apenas um outro país. O laboratório onde Yang trabalha foi criado pelo governo chinês na ilha de Hainan. A instalação é voltada à pesquisa com culturas de soja, milho e algodão.
Na ilha de Hainan, os cientistas desenvolvem variedades específicas de plantas. Eles buscam atender às exigências do mercado chinês, como maior teor de óleo e proteína.
Mas o trabalho vai além da China. Os pesquisadores também criam variedades adaptadas ao clima tropical, a países vizinhos e até a regiões da África e América Central.
Para facilitar a entrada de cientistas e visitantes estrangeiros, a ilha foi transformada em zona franca. Não há exigência de vistos e há incentivos para pesquisa.
A demanda da China por soja segue aumentando e já chega a 120 milhões de toneladas por ano. Deste total, apenas 20 milhões são produzidas no país. A meta do governo chinês é ampliar esse número em 15% até 2030.
De acordo com Yang, ferramentas como seleção genômica, transgenia e edição gênica são essenciais nesse processo. Ele destaca que, no combate a doenças, a transgenia ainda terá papel importante.
Empresas privadas também avançam
Mas não são apenas os centros de pesquisa do governo que estão de olho no Brasil. Empresas privadas chinesas também buscam espaço no mercado.
A DBN, por exemplo, quer conquistar 30% do setor de biotecnologia nos próximos dez anos. A afirmação é de Suping Geng, responsável pela operação da empresa na América do Sul.
Geng explica que a soja brasileira tem custos menores do que em outras regiões. Isso atrai o interesse chinês não só como comprador, mas como fornecedor de tecnologia.
A estratégia da DBN é clara: oferecer produtos competitivos, principalmente no controle de insetos e resistência a herbicidas.
A empresa já iniciou parcerias, como com a argentina GDM, e negocia outras colaborações.
Inovação com uso de inteligência artificial
As inovações também envolvem o uso de inteligência artificial. A DBN está desenvolvendo proteínas modificadas para tornar as plantas mais resistentes a insetos.
O trabalho inclui estudos contra o percevejo e o bicudo, que também afetam o algodão. Outro foco da empresa é desenvolver variedades com maior resistência a fungos, como a ferrugem asiática.
O plano da DBN é construir um laboratório de pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Com isso, a empresa pretende ampliar sua atuação em toda a América do Sul.
Outras companhias da China também já atuam por aqui. É o caso da LongPing, uma das maiores produtoras de sementes da China. Ela desenvolve variedades adaptadas ao solo e ao clima brasileiros.
Transgênicos ganham espaço dentro da China
As mudanças promovidas pela China afetam inclusive seu mercado interno. Até pouco tempo, o país não autorizava o plantio de transgênicos. Agora, essa liberação ocorre em algumas regiões, com uma condição: as sementes precisam ser desenvolvidas por empresas chinesas.
O chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, alerta para o avanço de países como China e Estados Unidos.
Segundo ele, essas nações estão desenvolvendo variedades com alto teor de ácido oleico. O óleo resultante emite 70% menos óxido nitroso, gás 300 vezes mais poluente que o CO2. Isso o torna mais sustentável. O Brasil, segundo Nepomuceno, está perdendo essa corrida.
Ele destaca que esse óleo se aproxima do azeite de oliva em composição. Porém, o sabor e o cheiro ainda diferenciam os produtos.
Olho na África e novos mercados
Enquanto isso, a China já avalia a possibilidade de expandir sua produção de soja para a África. Weicai Yang afirma que esse é um plano futuro, mas algumas empresas chinesas de menor porte já operam no continente.
No momento, o foco principal está na melhoria da proteína, da qualidade do óleo e na adaptação das plantas ao clima das regiões próximas à China.
Participação inédita em congresso no Brasil
Um exemplo claro do interesse chinês no mercado brasileiro foi a participação no Congresso da Soja da Embrapa. Pela primeira vez, pesquisadores e empresários da China estiveram no evento, realizado em Campinas (SP), entre os dias 21 e 24.
Três comitivas participaram do congresso, demonstrando o avanço da aproximação entre os dois países no setor agrícola. A presença chinesa reforça que a disputa por espaço na biotecnologia da soja brasileira está apenas começando.