“Quarteto Fantástico: Primeiros passos” não é um filme sobre heróis – e essa é a melhor parte dele
Filme lava a alma dos fãs do grupo com história focada no amor em família

Até 2025, os quadrinhos do Quarteto Fantástico não haviam sido bem adaptados para os cinemas. Mesmo após três tentativas com bons elencos, a franquia sempre acumulou mais pecados do que salvações. Talvez, por ironia do destino, a quarta iteração da história que enfim faça jus a uma das famílias mais importantes do catálogo da Marvel. E, adicionando mais uma ironia ao fato, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos conquista esse feito justamente por não ser, necessariamente, um filme focado em super-heróis encarando vilões, mas em parentes convivendo uns com os outros.
Desta vez, a primeira família da Marvel retorna às telonas com Pedro Pascal interpretando Reed Richards, o Senhor Fantástico, ao lado de Vanessa Kirby, como Sue Storm/Mulher-Invisível. Joseph Quinn vive o galanteador Johnny Storm, ou Tocha-Humana, enquanto Ben Grimm, o Coisa, fica por conta de Ebon Moss-Bachrach. Mesmo vivendo esses personagens tão quadrinescos, o elenco é responsável por fazer do núcleo familiar e dessas relações uma das melhores, e mais realistas, coisas que o MCU já nos entregou.

Apesar de a sinopse de Primeiros Passos prometer um Quarteto Fantástico retrofuturista enfrentando diversos inimigos e protegendo a Terra-828 de Galactus (Ralph Ineson) e sua arauto Surfista Prateada (Julia Garner), tudo funciona como um pano de fundo para algo muito melhor. Aqui, as dinâmicas interpessoais são mais fortes do que poderes fantasiosos, e definem todo o tom da produção. Da mesma forma, as fraquezas de cada um não viram armas para os adversários, mas se tornam um problema a ser tratado em conjunto. Nada importa mais do que a família – e esse é o maior diferencial do longa de Matt Shakman em relação a tudo o que o Marvel Studios fez até aqui.

O que não quer dizer, entretanto, que a visão focada no clã Richards/Storm/Grimm isente o filme de momentos de tensão ou grandes desafios pessoais. Afinal, amar é proteger e, às vezes, proteger é fazer grandes sacrifícios. Um exemplo disso vem quando Galactus deseja sequestrar Franklin Richards, filho recém-nascido de Reed e Sue, alegando que a criança é poderosa demais, e isso leva os heróis a arriscarem suas vidas para proteger o infante. O bebê vira uma moeda de troca, unindo trama e temática em algo que torna a tensão na família ainda maior – e exige ainda mais do elenco, que entrega atuações extraordinárias.

Se as atuações são fidedignas, em sintonia com o tom do filme, o mesmo não pode ser dito sobre o CGI, que possui altos e baixos. Ainda assim, ele despista as cenas mais carentes de pós-produção focando no que era mais esperado pelos fãs – o efeito borracha do Senhor Fantástico, a Surfista Prateada em movimento e Galactus. Os efeitos não são perfeitos, mas até quando vamos nos guiar por computação gráfica antes de valorizar todo o fator humano e prático nessas produções? Até porque, a direção artística deste filme é uma das mais bonitas do MCU.
Um erro maior vem na escolha de evitar algumas questões que são deixadas“no ar” em vários momentos pelo roteiro. Por se autoafirmar como a encenação de uma sociedade futurista, a produção deixa como entendido que questões como igualdade de gênero e raciais não influenciam tanto o cotidiano. Essa escolha, por mais positiva que possa parecer, somente esconde esta versão dos Estados Unidos atrás de uma cortina retro-utópica estampada unicamente com uma família-margarina.

Este tropeço não apaga a realidade de que Matt Shakman faz um trabalho poderoso com o roteiro de Josh Friedman, Eric Pearson, Ian Springer e Jeff Kaplan. Esse quarteto extraiu nos mínimos detalhes o significado de ser uma família, não apenas nos grandes dramas, mas também nos pequenos momentos do cotidiano: maridos que não acham as próprias coisas, tios com dificuldade de afivelar uma cadeirinha de criança. Aqui, isso é tão importante quanto uma viagem espacial para salvar a Terra. Quarteto Fantástico: Primeiros Passos não é um filme perfeito, mas funciona muito bem quando precisa, afinal, todas as famílias não são assim?