Acidente com voo da TAM que saiu de Porto Alegre completa 18 anos e tem indenizações pendentes
Voo JJ 3054 caiu ao tentar pousar em São Paulo no dia 17 de julho de 2007, provocando 199 mortes

A tarde da terça-feira, 17 de julho de 2007, parecia apenas mais um dia normal de trabalhado para o jornalista Roberto Gomes. De casa, ele finalizava a edição de seu periódico no escritório montado em sua residência. Em outro cômodo, a televisão ligada chamou sua atenção com uma informação desencontrada sobre um avião “de cargas” que havia caído em São Paulo. A notícia, porém, logo mudou, quando ouviu que era um voo de passageiros que havia saído de Porto Alegre. “Senti um frio na espinha”, recorda.
A preocupação tinha motivo, pois um de seus seis irmãos voaria, naquele dia, para a capital paulista. O publicitário Mário Gomes era o quinto entre sete irmãos e estava incomunicável. O jornalista relata que ligou para outro irmão, que também não conseguiu o contato. Assim, juntos, decidiram seguir até o Aeroporto Internacional Salgado Filho em busca de mais informações.
“O Mário usava dois celulares e ambos só caíam na caixa postal. No caminho (para o aeroporto) ligamos para o dono da agência de viagens e ele confirmou que o Mário havia comprado a passagem para aquele voo”, conta. “Ainda havia a esperança de que, devido ao apagão aéreo, ele tivesse trocado de voo, o que era comum naquela crise, ou que estivesse se dirigindo a Guarulhos ou Viracopos e não Congonhas. Mas, infelizmente, a realidade era outra”, acrescenta.
Mário Gomes era um nome conhecido na publicidade, com diversas inovações no setor. “Tinha apenas o ginásio completo, mas era um gênio nato, visionário, profissional exigente e hilário”, descreve o irmão. Naquele dia, Mário viajava para assinar um contrato de locação de uma casa em São Paulo e outro de grande valor com um cliente. Ele pretendia se mudar definitivamente para a capital paulista.

A confirmação da tragédia veio apenas por volta da meia-noite, em meio à angústia coletiva dos familiares reunidos em Porto Alegre. “Ouvimos pelo rádio, no antigo hotel Plazinha. A TAM só emitiu o comunicado oficial às 2h, de madrugada. Um absurdo”, lamenta Roberto.
O acidente deixou 199 mortos e um vazio enorme para os familiares. Das vítimas, restaram apenas fragmentos, objetos pessoais e memórias. O jornal de bairro de Roberto e a empresa de Mário encerraram as atividades após o acidente.
Sem qualquer experiência em assessoria de imprensa, Roberto acabou assumindo, voluntariamente, o papel de interlocutor das famílias com os veículos de comunicação.
“Eu vi um senhor discutindo com um repórter na frente do hotel onde estávamos hospedados. Me deu o insight que precisaríamos da imprensa, pois aquela situação iria longe. Aquilo não era um luto privado, era coletivo de uma tragédia em massa ocorrida no horário nobre de televisão”, lembra.
Na mesma noite, passou a organizar entrevistas, articulou com o hotel a entrada da imprensa, enfrentou a companhia, e se tornou porta-voz de um grupo que nem sabia ainda que se tornaria a Afavitam – Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ 3054.
No subsolo do hotel onde os parentes aguardavam informações, Roberto lembra do ambiente como ‘infernal’. “Era uma dor extrema, do estado quase catatônico daquelas pessoas que eu não conhecia, mas que também haviam perdido alguém. Por mais que eu descreva, quem não estava lá não consegue imaginar o ambiente pesado, pleno de dor e sofrimento que era. Estávamos na boca de um vulcão em ebulição”, relata.
E foi ali, no caos, que ele decidiu que a visibilidade seria vital para que os mortos e seus entes queridos não fossem esquecidos. “Informei que estava assumido essa missão (de assessor) e falei da importância que a imprensa teria nas nossas vidas a partir daquele dia. Do contrário, nós e nossos mortos seríamos invisíveis”, defende.
Nos dias seguintes, mergulhou em busca de documentos que ajudassem a identificar o irmão, o que só correu após 22 dias. Quatro vítimas nunca foram localizadas.

Entre as ações que ainda são buscadas pela associação está a correção do seguro Responsabilidade do Explorador ou Transportador Aéreo (Reta). O seguro é de competência das empresas aéreas para cada voo, que deve ser pago aos familiares de vítimas de acidentes aeronáuticos.
Em julho de 2007, o Reta equivalia a pouco mais de R$ 14,2 mil por vítima. Entretanto, o valor não era corrigido desde 1989, quando equivalia a 3.500 OTNs (Obrigação do Tesouro Nacional) naquele ano.
Em 2008, a associação ingressou, via Ministério Público Federal (MPF), com ação na Justiça Federal pedindo a correção do valor deste seguro. O processo correu por várias instâncias, com decisões sempre favoráveis aos familiares, tendo o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), definido pela correção do seguro, a contar de 1989, pela Tabela de Correção Monetária da Justiça Federal.
Embora o TRF-3 entendesse que não cabia recursos, os réus apelaram para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que aceitou o apelo e o processo está parado desde 2022. “Só ficamos sabendo que estava desatualizado (o valor) por causa do acidante. Um advogado acompanha o caso e não tem o que a gente fazer. Temos que esperar, apesar de acharmos que nossa justiça é lenta para muitas coisas”, afirma Scott.

Causas do acidente
O acidente com o voo JJ 3054 foi investigado por três órgãos, entre eles o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da Aeronáutica. O órgão concluiu que a tragédia resultou de uma combinação de falhas técnicas, operacionais e estruturais.
Um dos pontos considerados preponderantes foi o posicionamento incorreto dos manetes de potência do avião. Um deles foi deixado em posição de aceleração (climb), enquanto o outro foi colocado em ponto morto (idle). Essa configuração levou o sistema da aeronave a interpretar que os pilotos pretendiam arremeter, não frear.
O relatório do Cenipa ainda aponta que não havia nenhum alarme sonoro para alertar os pilotos sobre essa falha. Também relata que o treinamento da tripulação era falho e que o copiloto, embora experiente, tinha poucas horas no modelo A320.

Além disso, o avião pousou com o reversor direito inoperante, uma condição permitida na época, mesmo com a pista de Congonhas molhada e sem grooving – ranhuras que ajudam na frenagem. “É fácil falar depois, mas era uma situação crítica. A pista era curta, chovia muito e o reversor estava parcialmente inoperante. Em vez de pousar, talvez devessem ter arremetido, mas tudo aconteceu em questão de segundos”, comenta o professor de ciências aeronáuticas, Elones Ribeiro.
Ribeiro lembra ainda que o avião utilizou a cabeceira 35, que tinha um desnível acentuado em relação à atual pista de uso. “Hoje há grooving, sistemas como o EMAS, que são caixas de contenção de cimento. Mas, naquela época, nada disso estava disponível”, destaca.
Segundo ele, o impacto do acidente foi profundo na aviação brasileira. “Perdi colegas e alunos. Foi uma fatalidade que gerou mudanças importantes”, diz. Para o professor, os treinamentos hoje são mais rigorosos, seguindo padrões internacionais, simulações constantes e protocolos bem definidos. “A segurança de voo é um investimento. Tudo o que pode ser feito antes é melhor do que lidar com as consequências”, completa.

Apesar da gravidade dos fatores apontados, o Cenipa não tem atribuição para responsabilizar criminalmente ninguém. A missão é exclusivamente preventiva e o relatório resultou em 83 recomendações para evitar novas tragédias. Já os inquéritos da Polícia Civil e da Polícia Federal levaram a conclusões bem diferentes.
A Polícia Civil chegou a indiciar 10 pessoas, e o Ministério Público Estadual denunciou mais um, chegando 11 réus. No entanto, o caso foi transferido para o Ministério Público Federal e um novo inquérito foi aberto pela Polícia Federal, que concluiu com o indiciamento apenas dos dois pilotos.
A denúncia da PF foi interpretada pelo procurador Rodrigo de Grandis, que acusou três gestores da TAM e da Anac, mas todos foram absolvidos na primeira instância. Recursos foram apresentados, mas as decisões foram mantidas. Em 2017, o MPF informou que não recorreria mais, encerrando de vez o caso na esfera penal.

Aniversário da tragédia deve ser marcado por homenagens
Conforme a Afavitam, não está prevista a realização de nenhum evento organizado pela entidade para a data em que a tragédia completa 18 anos. Porém, como acontece em todos os anos, homenagens aos entes perdidos devem acontecer, espontaneamente, em São Paulo e Porto Alegre.
O local em que a aeronave caiu foi transformado no memorial 17 de julho, onde os parentes e amigos das vítimas devem ser reunir. Já na Capital gaúcha, o encontro deve ocorrer no Largo da Vida, na avenida Severo Dullius, ao lado do Aeroporto Salgado Filho.