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Desmatamento e agropecuária determinam o tamanho da pegada de carbono do Brasil

Esses dois setores emitem 70% dos gases de efeito estufa liberados pelo país

Para onde forem dois fenômenos do Brasil profundo, o corte de florestas nativas e o crescimento da agropecuária, as emissões nacionais de gases de estufa (GEE) também irão. O país tem um perfil bem diferente em relação às grandes economias que mais liberam na atmosfera dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄), óxido nitroso (N₂O) e gases fluorados (como HFC, PFC, SF₆ e NF₃), que representam a quase totalidade dos GEE produzidos no planeta. Esses compostos retêm calor na atmosfera, potencializam o aquecimento global e exercem o papel de combustível das mudanças climáticas.

Segundo o mais recente Inventário Nacional de Emissões e Remoções de GEE, divulgado em dezembro de 2024 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), 39,5% dos GEE emitidos pelo Brasil são em grande parte oriundos da conversão de áreas de vegetação nativa – basicamente florestas – em campos, pastagens e terras para lavoura. Outros 30,5% advêm da agropecuária, sobretudo da criação de bovinos (quase 20% do total) e do manejo de solos (7%).

Ainda de acordo com o documento, o setor de energia, no qual são contabilizadas as emissões de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão), responde por 20,5%. As duas grandes categorias que menos liberam gases de efeito estufa são a indústria (5% do total) e a disposição e o tratamento de resíduos sólidos e líquidos (4,5%). As porcentagens se referem a 2022, o último ano coberto pela série histórica do inventário.

Um peso tão elevado do setor de uso da terra, mudança do uso da terra e florestas – resumido na sigla LULUCF, que engloba as emissões decorrentes do desmatamento – e da agropecuária dificilmente será encontrado no balanço de carbono de nações de porte semelhante.

Na Indonésia, país com a segunda maior floresta tropical do planeta e cuja economia representa quase dois terços da brasileira, a categoria energia responde por 53% das emissões (a agropecuária por quase 10% do total e o LULUCF por pouco mais de 22%). Entre os países que mais liberam GEE, a área de energia é responsável por aproximadamente 75% das emissões, quase quatro vezes mais do que o Brasil em termos proporcionais.

O peso do Brasil nas emissões globais varia em função do ano e da metodologia de análise. O país quase sempre aparece na sexta posição entre os maiores geradores de GEE, flutuando, às vezes, para a quinta ou a sétima colocação. Sua contribuição representa entre 2% e 3% do total de gases de efeito estufa contabilizados em um período.

Segundo o Emissions Gap Report, divulgado no ano passado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Brasil foi o sexto maior emissor de GEE em 2023, atrás de China (30% do total), Estados Unidos (11%), Índia (8%), União Europeia (6%) e Rússia (5%).

As emissões líquidas de GEE no Brasil em 2022 atingiram pouco mais de 2 bilhões de toneladas (t) de dióxido de carbono equivalente (CO₂eq), uma leve queda em relação ao ano anterior. Elas representam o total de GEE gerado por todos os setores da economia nacional (emissões brutas) menos a remoção de CO₂ atmosférico atribuída à fixação de carbono, por exemplo, via fotossíntese, na biomassa da vegetação preservada em unidades de conservação e terras indígenas.

Para possibilitar a obtenção de um único valor que expresse a soma de todas as emissões dos principais gases de efeito estufa, os inventários nacionais adotam como unidade de medida o CO₂eq. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) preconiza o emprego preferencial do índice GWP-100 para calcular a equivalência entre os gases. Com o uso do GWP-100, a quantidade emitida de metano, óxido nitroso e gases fluorados é transformada em seu equivalente de dióxido de carbono.

Para 2022, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) chegou a um total de emissões líquidas de quase 2 bilhões de t de CO₂eq, ligeiramente abaixo do calculado pelo inventário nacional. Os dados mais recentes do sistema montado pelo OC são de 2023, quando as emissões líquidas atingiram 1,65 bilhão de t de CO₂eq, queda de 15% em relação a 2022. O inventário nacional ainda não divulgou o valor das emissões de 2023.

A receita do IPCC

Em 2006, o IPCC lançou as bases metodológicas usadas pela maioria dos países e de projetos como o Seeg para elaborar um inventário das emissões de GEE.

O primeiro passo dos inventários é calcular as emissões em cinco setores: energia; processos industriais e uso de produtos; agropecuária; resíduos; e LULUCF. Os quatro primeiros só liberam GEE. O LULUCF é o único que, além de emitir, pode reportar nos relatórios a remoção de CO₂ do ar por meio da fotossíntese, que fixa carbono na biomassa das plantas e até no solo.

Em seguida, é calculado quanto cada processo ou atividade abarcado pelos setores gera de GEE. No cálculo, dois tipos de informação são imprescindíveis: os chamados dados de atividade, que são multiplicados por fatores de emissão. Os dados de atividade dão a dimensão e as características principais de um segmento econômico.

No setor de processos industriais e uso de produtos, um exemplo seria a quantidade de toneladas produzidas anualmente de cimento ou ferro. Os fatores de emissão são valores consagrados na literatura científica que estimam quanto cada atividade libera de GEE. São divididos em três níveis ou, para usar a terminologia dos especialistas, tiers.

O primeiro nível, proposto pelo IPCC, é o mais genérico e menos preciso. É um fator de emissão que vale para certa atividade, independentemente das condições e do país em que ela ocorra. O segundo vale para uma nação ou partes dela. O tier 3 é mais específico e tem o potencial de refletir as emissões de um lugar ou fábrica determinada.

Um caso que ilustra bem essa particularidade é o cálculo da produção de metano pela fermentação entérica (o processo digestivo) de ruminantes, essencialmente do rebanho bovino nacional, que ultrapassa 200 milhões de cabeças e emite quase um quinto de todos os GEE gerados pelo país. Atualmente, há fatores de emissão específicos para diferentes tipos de bovinos criados em cada estado brasileiro. O documento do Seeg considera, por exemplo, que um bovino macho, com mais de 2 anos, mantido de forma não confinada, emite anualmente 72 quilos (kg) de metano se for criado em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás e 63 kg se estiver em Alagoas ou outros estados.

Entre 1990 e 2022, a produção anual de metano por cabeça de bovinos de corte caiu cerca de 8% no país, segundo o inventário nacional. Mas, como a taxa de crescimento do rebanho foi maior do que o ganho de produtividade, as emissões totais geradas pela fermentação entérica continuam em alta.

O peso do desmatamento

O cálculo das emissões referentes a uso da terra, mudanças do uso da terra e florestas é diferente do que é feito nos demais setores. A liberação de GEE ocorre quando uma categoria de uso da terra que estoca mais carbono, como as florestas nativas, é convertida em outra que retém menos, como campos, pastagens e áreas agrícolas.

Em outras palavras, a emissão deriva do desmatamento. Essa é a “atividade econômica” registrada pelo setor de LULUCF. A emissão calculada é a diferença entre a quantidade de carbono que estava armazenada no trecho de mata nativa e a que passou a ser estocada no novo fim dado àquela mesma área, após a derrubada da vegetação original.

Esses valores são muito diferentes, especialmente quando envolvem o bioma Amazônia, cuja floresta estoca mais carbono na biomassa das plantas do que a vegetação dos outros ecossistemas. Tanto o Seeg quanto o inventário nacional trabalham com fatores de emissão específicos (do tier 2) para diferentes fisionomias vegetais da Amazônia. Há 44 fisionomias vegetais no bioma, que engloba metade do território nacional. A mais comum pertence ao grupo das florestas ombrófilas densas, que cobrem cerca de metade da Amazônia.

A quantidade de carbono armazenada em 1 hectare desse tipo de mata varia entre 130 t e 201 t. “Um hectare de pasto estoca em média cerca de 10 t, 1 de soja, 6 t”, afirma a ecóloga Bárbara Zimbres, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), que coordena o monitoramento do setor de LULUCF no Seeg.

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