A arte de ser roubado e taxado no Brasil
É preciso dar um sentido cultural às discussões do momento

Por Felipe Moura Brasil
O Brasil saiu da discussão sobre quem roubou menos (se foram os ladrões de estatais, ou os ladrões de gabinete) para o debate sobre qual taxa é a mais justa (o imposto sobre operações financeiras, ou a tarifa de 50% dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros).
È uma evolução da defesa do saque original aos cofres públicos, para a defesa da extorsão institucionalizada de indivíduos e empresas. Sem falar, claro, no duelo diário de panos sobre as ditaduras de esquerda e a ditadura militar.
Enquanto isso, o Congresso (que inclui a base do governo, o Centrão e a suposta oposição, surfando em 50,5 bilhões de reais de emendas) aprova, entre outros itens, mais dinheiro para os partidos, aumento do número de parlamentares, pagamento de viagens para evento de lobby judicial, novos cargos para o Supremo Tribunal Federal, e elevação da conta de luz.
Mais lucrativo
Neste cenário, ser político do Poder Executivo, do Legislativo ou, sim, do Judiciário, ou ser seu propagandista (com boquinha, microfone, monetização, massas de manobra e patrocínios garantidos por ele), é bem mais lucrativo do que ser um mero cidadão comum, roubado e extorquido, informal e formalmente.
Como o Estado segue inchado com centenas de empresas públicas e milhares de gabinetes, e como uma ala do empresariado patrocina os canais de propaganda dos grupos políticos dos quais espera favores nos Três Poderes, é enorme a quantidade de porta-vozes dispostos a aprisionar mentalmente o povo na escolha permanente entre a cruz e a espada.
Ao longo das duas últimas décadas, as redes sociais se tornaram, primeiro, o espaço da reação popular em cadeia a essas narrativas políticas e, depois, da patrulha dissimulada dos grupos políticos organizados contra essa reação, resiliente sobretudo entre cidadãos independentes, atacados de ambos os lados.
Espaço público
Tanto a censura judicialmente imposta em nome da defesa da democracia quanto a mobilização coletiva em pedidos de cabeça, campanhas difamatórias, linchamento virtual e tentativas de assassinato de reputação buscam reduzir o espaço público de atuação e o alcance de quem ousa expor a realidade, alertando o povo contra as soluções agravantes dos problemas do país.
Essas vozes de indignação não seletiva, porém, vêm crescendo, viralizando nas redes e incomodando os patrulhadores de plantão, porque se alinham ao cansaço e à frustração de milhões de brasileiros diante de políticos cada vez mais sectários, patrimonialistas e caricatos, cujas práticas comuns contradizem seu discurso pretensamente democrático ou patriótico.
Uma sociedade só se liberta da servidão voluntária quando um grupo crescente de indivíduos, mesmo que atomizados, isolados e desorganizados, deixa de defender o melhor jeito de ser roubado, taxado e difamado, para estimular o restante a evoluir de verdade.
Entenda você também como isso é bom.