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Longas viagens, desgaste e perdão polêmico: um cansado Joe Biden se despede da presidência

Em seus últimos dias de mandato, o democrata tenta consolidar seu legado antes de Donald Trump assumir

Foi um longo dia em Angola. O presidente Joe Biden já visitara uma instalação portuária cercada por guindastes e percorrera uma fábrica cheia de correias transportadoras de mercadorias. Quando finalmente se sentou a uma grande mesa circular de madeira em uma sala quente e abafada com líderes africanos, apoiou a cabeça na mão e fechou os olhos brevemente enquanto os discursos não paravam.

Voar pelo mundo cansaria até mesmo um presidente com menos de 82 anos. Mas o que interessava, na opinião dele mesmo, era que tinha vindo. Viajara milhares de quilômetros para chamar a atenção para uma nova ferrovia cuja construção tem apoio dos EUA e que pode transformar as economias africanas, além de fornecer recursos para a América. Ele estava lá. Não precisava, mas insistiu e estava orgulhoso de ser fazer a primeira visita ao continente em seu mandato.

A presidência de Biden chegou ao crepúsculo. É o capítulo final de uma jornada política épica que durou meio século e que teve mais do que sua cota de reviravoltas. O tempo alcançou Biden. Ele demonstra estar um pouco mais velho e um pouco mais lento a cada dia.

Entretanto, assessores dizem que continua bastante afiado na Sala de Crise, convocando líderes mundiais para intermediar um cessar-fogo no Líbano ou lidar com o caos da rebelião na Síria. Mas é difícil imaginar que no início da campanha eleitoral de 2024 ele tenha pensado seriamente em continuar a fazer o trabalho mais estressante do mundo por mais quatro anos.

Biden prepara sua despedida, mas as coisas não estão fáceis para ele. Nada do que aconteceu desde que foi levado a abandonar a corrida, em julho, mostrou que sua decisão estivesse errada. Mas a vitória de Donald Trump sobre a vice-presidente Kamala Harris foi interpretada por alguns como um repúdio a Biden. Doeu. Ainda dói. Mas ele aceitou o resultado, ao contrário de Trump há quatro anos.

“Sim, isso é difícil, mas ele já passou por situações mais complicadas, tem uma longa lista de coisas que quer fazer e está focado em efetuar cada uma delas”, comentou Ted Kaufman, seu amigo de longa data, assessor e sucessor no Senado.

Determinado a encerrar seu período presidencial com nota alta e moldar seu legado como um presidente consequente, Biden quer, nestas últimas semanas, “correr para a linha de chegada”, como disse seu chefe de gabinete, Jeffrey D. Zients. Está riscando as últimas linhas de sua lista de desejos presidenciais. Angola? Certo. Uma visita à floresta amazônica? Uma posse presidencial? Certo.

A linha mais importante que resta nessa lista é obter um cessar-fogo na Faixa de Gaza. Se conseguir isso, será um triunfo, uma forte validação para um presidente que está de saída. Caso contrário, vai encerrar seu tempo no cargo reivindicando o crédito de ter entregue a economia saudável ao seu ingrato sucessor e ter obtido dinheiro, previamente aprovado pelo Congresso, para construir estradas e pontes dentro do país e levar armas para a Ucrânia no exterior.

Biden também atou um lacinho de perdão na lapela antes da partida e deu um número recorde de indultos para prisioneiros que já estavam em prisão domiciliar. No entanto, seu gesto mais ousado foi perdoar seu filho Hunter Biden depois de este ter sido condenado por posse ilegal de arma de fogo e por fraudes fiscais. Logo depois, foi surpreendido pela reação de seus colegas democratas.

Como outros mandatários que deixaram o cargo, Biden também está desaparecendo da cena política e quase deixando o palco antes do fim do discurso. Já Trump domina a conversa mais do que normalmente fazem os presidentes que ainda não assumiram – faz pronunciamentos políticos e se reúne com líderes mundiais antes de ser empossado no cargo –, enquanto o presidente que de fato ocupa a Casa Branca se torna uma anedota nacional. “Presidente – ainda?”, perguntou ironicamente um apresentador do mais famoso programa humorístico no ar, “Saturday Night Live”.

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