Crise entre Poderes pode causar mudança da meta fiscal
Deterioração fiscal, derrotas no Congresso e eleições pressionam o governo a alterar limites de deficit, advertem especialistas

O embate entre o Congresso Nacional e o governo que, na semana passada, ganhou mais um capítulo com a derrota do Executivo na derrubada do decreto do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), acende a luz vermelha para uma crise fiscal que vem sendo antecipada e deve estourar no próximo ano, no meio das eleições.
Apesar de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter afirmado que não pretende mudar o arcabouço fiscal, o consenso entre analistas é de que essa mudança na meta fiscal será inevitável em 2026, dado o estado calamitoso do desequilíbrio orçamentário.
Na avaliação deles, o risco de apagão da máquina pública é real e iminente e, como a campanha eleitoral já foi antecipada, restará que o próximo governo assuma a missão de fazer um efetivo ajuste fiscal em 2027 para que o país não mergulhe novamente em uma crise econômica.
Aliás, esse risco de apagão foi reconhecido pela equipe econômica do ministro Haddad, pois técnicos admitiram essa possibilidade em 2027, quando o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem foi enviado ao Congresso em abril.
Na proposta, o governo reconhece que as despesas obrigatórias devem atingir 100% das receitas primárias em 2027 e ainda deixam um buraco de R$ 118 bilhões de receitas incertas para o cumprimento da meta fiscal. O arcabouço prevê deficit primário zero neste ano e superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) no próximo.
Especialistas destacam que um dos principais problemas desse desequilíbrio fiscal é o aumento desenfreado de despesas sem fontes de receitas recorrentes – como é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) -, na contramão da austeridade fiscal, mas isso não é exclusividade do governo atual.
Vale lembrar, ainda, que as contas públicas não melhoraram com o novo arcabouço, pois, se não fosse o desconto dos gastos com precatórios (dívidas judiciais) – permitido pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) uma vez que o atual governo está pagando o calote do governo anterior -, o arcabouço fiscal, criado em 2024, já teria sido descumprido no primeiro ano de vigência.
Conforme levantamento feito pela Instituição Fiscal Independente (IFI), os gastos no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva crescem em ritmo acelerado, acima da inflação. De janeiro a maio deste ano, as despesas totais saltaram 35,29% na comparação com o mesmo período de 2022, somando R$ 936 bilhões. Enquanto isso, a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), subiu 14,3% entre maio de 2022 e maio deste ano.
A falta de uma reforma da Previdência ampla em 2019 não freou o forte aumento dos gastos com benefícios previdenciários – uma das maiores dificuldades fiscais do governo -, pois essa despesa avançou 28,5% de janeiro a maio na comparação com os primeiros cinco meses de 2022.
No mesmo período, a inflação acumulada foi de 14,3%. Os gastos com o Bolsa Família – que teve o valor ampliado no atual governo – e com Benefício de Prestação Continuada (BPC), por exemplo, saltaram, respectivamente, 85,8% e 65,5%, na mesma base de comparação.

“O governo vai ser obrigado a mudar a meta fiscal em 2026 e, no ano de 2027, será preciso fazer um ajuste significativo, talvez inédito nas pretensões. O tamanho da dívida pública que temos atualmente é resultado da piora esperada nos gastos obrigatórios por conta da Previdência, que demanda um novo ajuste”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Ele prevê que o governo precisará fazer bloqueio de despesa adicional neste ano para conseguir cumprir a meta fiscal neste ano e no próximo e reconhece que o governo terá dificuldades para encontrar receitas extraordinárias para fechar cumprir as metas fiscais.