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Veteranos russos amputados da guerra enfrentam árduo processo de reabilitação

Há pelo menos 300 mil soldados gravemente feridos, segundo os cálculos das agências de notícias russas independentes

Palashkino, Rússia – Alexander teve apenas duas semanas de treinamento antes de ser mandado para as linhas de frente na Ucrânia, em meados de 2023; um mês depois, tornou-se um amputado. Aprender a viver sem a perna direita, porém, está levando muito mais tempo.

“No começo foi horrível, mas com o tempo o cérebro se ajusta e você acaba se acostumando”, disse o ex-combatente de 38 anos que se identifica apenas pelo primeiro nome, como exige o protocolo militar.

Alexander concedeu entrevista em uma instituição na periferia de Moscou, enquanto o especialista lhe ajustava a prótese. É um entre os milhares de soldados que estão voltando de uma guerra que já entra no terceiro ano, recolhidos em instituições públicas, tendo de encarar uma sociedade com dificuldade de sustentá-los em tempos de sanções e se adaptar à realidade paralela da movimentação aparentemente inabalável das grandes cidades, superando as dificuldades do campo de batalha.

Todos trazem necessidades visíveis e invisíveis de volta para os familiares, que primeiro viveram o trauma da espera de voltar a vê-los vivos e que agora têm de aprender a cuidar deles.

Há pelo menos 300 mil veteranos gravemente feridos, segundo os cálculos das agências de notícias russas independentes Mediazona e Meduza e da BBC, que usam estatísticas de fontes abertas para fazer o cálculo. Entretanto, os jornalistas dizem que desde 2023 as autoridades vêm dificultando essa operação porque são cada vez mais amplas as informações consideradas “confidenciais”.

Alexander contou que, depois de ser enviado para os arredores de Kupiansk, na região de Kharkiv, recebeu ordens de cavar trincheiras em uma área onde os recrutas tinham espalhado minas na véspera. “Não sei se aquela em que pisei era ucraniana ou russa, mas perdi a perna do joelho para baixo e fiquei seis meses pulando de um hospital para outro, até receber uma prótese”.

De volta ao emprego de soldador, hoje ele encara turnos de 12 horas, trabalhando de pé, mesmo que, como amputado, seja aconselhado a não usar a prótese durante mais que algumas horas por vez. Apesar disso, sente gratidão por estar vivo e se considera um homem de sorte.

De acordo com o protético que cuida de Alexander, Yuri A. Pogorelov, o Rus Sanitarium – tipo de estância que combina tratamentos médicos e recreação onde o ex-soldado está sendo tratado – produziu cerca de cem peças no último ano, usando materiais importados da Alemanha e tecnologia local, mas apenas algumas são para os veteranos da guerra.

Construído nos tempos soviéticos para a elite política do país, o local oferece uma ampla gama de terapias físicas e psicológicas, e os antigos participantes de todos os conflitos russos recentes e seus familiares têm direito de se hospedar ali duas semanas por ano para descansar e se beneficiar dos tratamentos. Destes, cerca de 10% voltaram da Ucrânia.

No fim de 2023, Moscou calculava que a população russa necessitaria de 70 mil próteses por ano, o que representava um aumento drástico e um recorde que incluía principalmente civis que perderam pernas e braços por outras razões que não conflitos bélicos. Por outro lado, um representante do Ministério do Trabalho calcula que mais da metade dos veteranos feridos sejam amputados.

Alexander se disse grato pela assistência médica gratuita, mas fez questão de enfatizar que não estava enfrentando problemas psicológicos. “Graças a Deus preservei a saúde mental do meu jeito. Sobrevivi às explosões e aos bombardeios e sou normal.”

Entretanto, os especialistas e psicólogos confirmam que muitos voltam da guerra sofrendo do TEPT (Transtorno do Estresse Pós-traumático).

“Todo mundo aqui tem um pouco, por ter sido ferido, psicologicamente afetado ou por ter perdido irmão, filho, pai”, afirmou o coronel Andrei V. Demurenko, de 69 anos, vice-comandante de uma brigada de voluntários durante a Batalha de Bakhmut, que durou um mês.

Em maio de 2023, depois de uma fratura no crânio, ele voltou a Moscou e descobriu que a assistência psicológica de que os ex-combatentes tanto necessitavam estava em falta. “Infelizmente, não temos um sistema minimamente organizado e abrangente de recuperação psicológica”, lamentou.

Segundo Svetlana Artemeva, que faz parte da ONG União de Veteranos da Operação Militar Especial e atualmente se dedica a um projeto de treinamento de dezenas de terapeutas nas 16 regiões russas para ajudar os soldados que sofrem de TEPT, no momento não há profissionais em número suficiente para cuidar dos ex-combatentes ou lhes oferecer consultas regulares.

“Você tem de ensiná-los a viver de novo, do zero, literalmente; precisam reaprender até a dormir, porque não conseguem descansar. Pulam a cada barulhinho, se encolhem, desconfiam de todo mundo”.

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