Caminhos para anistiar Bolsonaro – e como STF pode ser ‘pedra no sapato’ nos seus planos de voltar ao poder
O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados políticos tentam reverter a inelegibilidade até 2030 imposta pela Justiça eleitoral com recursos e tentativas de mudar a legislação
A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas, na semana passada, fez aumentar, no Brasil, os rumores sobre uma possível “anistia” ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A anistia é a alternativa defendida por políticos ligados ao bolsonarismo para que o ex-presidente, que é aliado de Donald Trump, possa voltar a disputar eleições em 2026 e, quem sabe, voltar ao poder.
Este passo é imprescindível para o projeto de retorno de Bolsonaro ao comando do país, porque ele está inelegível até 2030 após duas condenações por crimes eleitorais em 2023.
Mas enquanto políticos bolsonaristas defendem a medida, parlamentares petistas e especialistas em direito constitucional apontam que o caminho para uma eventual anistia de Bolsonaro não seria tão fácil assim.
Entre as principais dificuldades apontadas, está formar maioria para projetos tão polêmicos e a possibilidade real de que o STF venha a barrar uma lei que resultasse na anistia do ex-presidente.
Caminho 1: recursos ao STF
A primeira rota para que Bolsonaro reverta sua inelegibilidade é aquela considerada mais curta: o caminho judicial.
Mesmo condenado pela mais alta Corte eleitoral, Bolsonaro ainda aguarda o julgamento de recursos de suas condenações levados ao STF.
Bolsonaro foi condenado a oito anos de inelegibilidade em dois processos separados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No primeiro, em junho do ano passado, foi condenado por abuso do poder político por ter convocado uma reunião com embaixadores de países estrangeiros em Brasília meses antes das eleições presidenciais e usado meios de comunicação governamentais para discursar contra a integridade do sistema eleitoral brasileiro.
O segundo, em outubro de 2023, foi condenado por abuso do poder político e econômico por ter usado recursos públicos durante as comemorações do Dia da Independência de 2022 para fazer campanha eleitoral.
Como na esfera eleitoral não haveria mais recursos disponíveis contra as condenações, a defesa de Bolsonaro recorreu ao STF para tentar reverter a inelegibilidade.
Em um dos recursos, a defesa alega que as condenações a Bolsonaro teriam violado princípios constitucionais como a inclusão de provas que, inicialmente, não estariam vinculadas aos processos eleitorais como a chamada “minuta do golpe”.
Esse termo é usado para descrever uma minuta de um decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e que previa a supressão de direitos e a manutenção de Bolsonaro no poder mesmo após sua derrota eleitoral.
Parte dos recursos ainda não foi apreciada pelo Supremo. Ainda não há data para o julgamento dos recursos movidos pela defesa do ex-presidente.
Caminho 2: alteração na Lei da Ficha Limpa
O segundo caminho trilhado pelos bolsonaristas é uma alteração na Lei da Ficha Limpa.
A lei, aprovada em 2010, determina, entre outras coisas, a inelegibilidade de políticos que tenham sido condenados por órgãos colegiados, como o TSE. Mas alguns projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional preveem mudanças.
Um deles, que tramita no Senado, de autoria da deputada federal Daniela Cunha (MDB-RJ), filha do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (Republicanos-RJ), propõe que a inelegibilidade só poderia ser aplicada nos casos em que fique comprovada a ocorrência de comportamentos “graves que possam resultar na cassação” do político.
Este ponto poderia, em tese, favorecer Bolsonaro, porque ele não teve o seu mandato cassado, uma vez que ele já havia perdido as eleições. Desta forma, a pena de inelegibilidade não poderia ser aplicada a ele.
A medida vem sendo defendida por políticos à esquerda e à direita, uma vez que poderia beneficiar não apenas Bolsonaro, mas condenados de outros partidos que poderiam ter suas inelegibilidades revertidas também.
O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em agosto, mas o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), determinou que ele só seria votado após as eleições municipais. Como já foi aprovado na Câmara, se o Senado referendar o projeto, a mudança vai à sanção presidencial.
A possibilidade de que a mudança possa ser aprovada é alvo de críticas de entidades que atuam no combate à corrupção.
Rota 3: anistia a crimes de 8 de janeiro
A terceira rota tentada pelos bolsonaristas é a que mais vem causando ruído: uma lei prevendo anistia aos condenados por crimes cometidos em conexão com os atos de 8 de janeiro.
O projeto que mais avançou até o momento é o que foi proposto em 2022 pelo então deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO).
O projeto tramitou na CCJ da Câmara entre 2023 e 2024, mas não chegou a ser votado. O relatório elaborado pelo deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) concede aos envolvidos no episódio:
- perdão por crimes previstos no Código Penal ligados às manifestações;
- manutenção dos direitos políticos;
- cancelamento de multas eventualmente aplicadas pela Justiça;
- revogação de medidas que limitem a liberdade de expressão dos envolvidos em meios de comunicação e em redes sociais;
- validade das medidas a todos os que teriam participado dos atos antes ou depois de 8 de janeiro.
Para a oposição, liderada pelos bolsonaristas, o projeto é considerado vital tanto como um aceno à sua militância quanto como uma espécie de “vacina” contra uma eventual condenação de Bolsonaro ou outros políticos do seu grupo por crimes supostamente cometidos em torno dos atos de 8 de janeiro.
Uma condenação também geraria, em tese, uma nova inelegibilidade contra Bolsonaro.
O ex-presidente ainda não é réu em nenhum processo sobre os atos de 8 de janeiro, mas é investigado em inquéritos no STF que apuram a suposta incitação do ex-presidente aos atos.
Também apura-se se ele teve alguma participação na elaboração da minuta golpista a ser posta em prática após sua derrota em 2022. Há expectativa de que este inquérito seja finalizado até o final deste ano.
Bolsonaro e sua defesa vêm negando qualquer envolvimento nos crimes investigados.