Lei Maria da Penha: o que mudou depois de 18 anos da legislação?
Astrologia jurídica só serve para nos acalmar, direito sem instrumentos eficazes é apenas esperança. Precisamos de efetividade
Uma carreira policial de aproximadamente duas décadas nos faz colecionar histórias. E em 2006, há exatos 18 anos, todos que trabalhavam no plantão policial se depararam com uma nova legislação: a Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
Na época, André Norcia era delegado do 95º Distrito Policial, no Heliópolis, na zona Sul de São Paulo, quando a mulher ganhou novos mecanismos para protegê-la da violência doméstica e familiar.
Desde aquela época, considero-me um defensor dessa lei. Acredito que um magistrado não pode carregar qualquer bandeira, não pode participar de um movimento social. Sua atuação deve ser sempre jurídica.
O palco para os movimentos sociais é alheio à judicatura pelo risco de contaminar a imparcialidade. Por isso, não sou defensor das mulheres, mas sim um aplicador do direito que defende a existência de uma lei que protege os vulneráveis – neste caso, as mulheres em situação de violência doméstica. A diferença é sutil, mas importante.
Quando convidado, passei a palestrar sobre a qualidade desta lei, sobre a sua importância e a sua correta aplicação. A promulgação dessa legislação foi uma vitória não só para as mulheres, mas para todo o ordenamento jurídico por um simples motivo: a efetividade. Afinal, direito sem efetividade é apenas boa intenção, diz André Norcia é juiz de direito há 10 anos, formado pela PUC-SP; já foi escrivão e delegado por quase duas décadas no interior de São Paulo.
Antes dessa lei, cansou de registrar termos circunstanciados contra agressores por lesão corporal leve. Minha equipe era ótima: eram policiais bons, preparados e preocupados, que tentavam compreender o sofrimento da vítima. Mas todos os esforços pareciam ineficazes.
A mulher, conduzida durante a madrugada para a delegacia, muitas vezes de pijama e com os lábios sangrando, assistia humilhada ao marido ser liberado após o registro do termo circunstanciado. Muitas me perguntavam:
– Para onde eu vou agora? Aposto que ele (agressor) voltou para casa.
Eu não tinha como ajudar, permitia que elas ficassem no plantão de concreto frio por quanto tempo quisessem, mas muitas saíam sem rumo após ouvir o intenso barulho de uma cadeia lotada.
Então tudo mudou, em especial pela vigência do art. 41, da respectiva lei. Esse dispositivo afastou a aplicação da lei dos juizados, vulgarmente chamado de “pequenas causas”. Assim, no caso de violência doméstica contra a mulher, agora o agressor pode ser preso em flagrante delito.
A Lei Maria da Penha mostra-nos o que deveria ser óbvio: astrologia jurídica só serve para nos acalmar, direito sem instrumentos eficazes é apenas esperança. Precisamos de efetividade.