Presidente convocou reunião ministerial para evitar novos ruídos e informações desconectadas entre integrantes do 1º escalão
A primeira semana do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) testemunhou anúncios desacertados, revisão de declarações e contradições entre integrantes do primeiro escalão, além de ministros envolvidos com milicianos do Rio de Janeiro, condenados por improbidade administrativa e beneficiários do orçamento secreto – duramente criticado por Lula e aliados durante a campanha eleitoral de 2022.
Para eliminar os ruídos e alinhar as expectativas e ações, o presidente convocou, para esta sexta-feira (6), a primeira reunião ministerial para dar o recado de que os anúncios, independentemente da área, devem ter o aval do Palácio do Planalto, especialmente quando houver mudança de algum tipo de política governamental.
Polêmicas e anúncios
Antes mesmo da posse do petista, o novo governo acumulava intempéries. Em 21 de dezembro, Flávio Dino, ministro da Justiça, anunciou o delegado Edmar Camata para a chefia da Polícia Rodoviária Federal (PRF). No mesmo dia, no entanto, Dino voltou atrás da indicação após a má repercussão entre aliados, por causa de apoios declarados do delegado à operação Lava Jato.
Na última segunda (2), quando tomou posse, Dino fez um anúncio que envolve uma decisão em nível de Executivo. Ele afirmou que vai federalizar o caso da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em 2018. “Disse à ministra Anielle [Franco, irmã de Marielle] e sua mãe que é uma questão de honra o Estado brasileiro empreender todos os esforços possíveis e cabíveis, e a Polícia Federal assim atuará para que esse crime seja desvendado definitivamente, e nós saibamos quem matou Marielle e quem mandou matar Marielle”, afirmou na ocasião.
Na quarta-feira (4), houve a veiculação de uma possível suspensão de um benefício criado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Trata-se da modalidade do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), disse que vai propor a Lula o fim da medida que, na avaliação de Marinho, reduz a reserva de dinheiro que poderia ser acessada em caso de demissão. A situação, no entanto, repercutiu mal entre o grupo petista por não ter sido negociada anteriormente.
Rui Costa, ministro-chefe da Casa Civil de Lula, sugeriu que dívidas de empresas condenadas pela Lava Jato sejam pagas por meio de investimentos em obras públicas. Para repactuar os acordos de leniência, o governo conversa sobre o assunto com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
No entanto, especialistas alertam para a regulamentação e fiscalização da medida, porque a ação requer controle rigoroso para que a corrupção não seja cometida novamente por agentes públicos e privados.
Na esteira de anúncios controversos, Rui Costa afirmou que não causa desconforto a proximidade da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, com ex-PM apontado como chefe de milícia no Rio de Janeiro, condenado por homicídio e associação criminosa. Mas a denúncia foi recebida com preocupação entre os aliados do presidente Lula pelo desgaste na imagem do ministeriado escolhido.
Além da titular do Turismo, outra ministra de Lula é alvo de críticas. Chefe do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos foi condenada, em 2019, pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco por improbidade administrativa pela contratação para gerenciar a iluminação pública da cidade. À época, a defesa dela disse que não houve prejuízo ao patrimônio público municipal e que a sentença da Justiça reconheceu que Luciana não recebeu ou desviou dinheiro público.
Divergências
Na quarta-feira, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, foi contrariado publicamente por Rui Costa. Lupi, durante a cerimônia de posse no cargo, afirmou que a Reforma da Previdência, aprovada em 2019, seria revista em conjunto com sindicatos. Após repercussão negativa do mercado, Costa negou a informação e afirmou que não há nenhuma proposta do tipo em análise, no momento.
A reação dos eleitores de Bolsonaro contra a vitória de Lula nas urnas, que resultou em manifestações em frente a quartéis do Exército por todo o país, foi chamada de “legítima” pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, na última segunda (2). A fala, que classificou, ainda, os atos como democráticos, gerou mal-estar entre os aliados do petista.
As divergências do novo governo geraram recuo na Bolsa e queda nas ações da Petrobras no início da semana. Na quarta-feira (4), houve sinalização positiva no mercado, com variação negativa do dólar frente ao real, e subida do Ibovespa.
Orçamento secreto
Apesar das críticas ao orçamento secreto, pela falta de transparência e regras claras, Lula nomeou ministros que se beneficiaram de verbas do dispositivo em 2022. Ao menos seis indicados utilizaram R$ 221 milhões das RP9, como são chamadas as emendas de relator.
São eles: Daniela do Waguinho (União Brasil-RJ), Turismo; Juscelino Filho (União Brasil-MA), Comunicações; André de Paula (PSD-PE), Pesca e Aquicultura; Alexandre Silveira (PSD-MG), Minas e Energia; Carlos Fávaro (PSD-MT), Agricultura e Pecuária; e Waldez Góes (PDT-AP, em migração para o União Brasil), Integração e Desenvolvimento Regional. Em 19 de dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou o orçamento secreto inconstitucional.