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Juizado Criminal esclarece o que fazer em situação de perturbação de sossego e poluição sonora nas festas de fim de ano

Com a aproximação das festas de fim de ano e as férias escolares, o Juizado Especial Criminal da Comarca de Macapá se prepara para o tradicional aumento no fluxo de demandas judiciais relacionadas à perturbação do sossego e à poluição sonora.

Para esclarecer os direitos e deveres dos cidadãos neste contexto, o juiz Augusto César Gomes Leite, titular da unidade, ofereceu um panorama detalhado sobre aspectos legais e responsabilidades individuais e coletivas, além das formas de garantir a harmonia em meio à efervescência festiva.

Sobre as principais normas que definem e regem a perturbação do sossego alheio e a poluição sonora no Brasil, o magistrado explica que a regulação desses temas se baseia em um conjunto normativo abrangente.

“O alicerce é a Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 225, garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida. Este princípio impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar tal direito e prevê, de forma explícita, o combate à qualquer forma de poluição sonora ou à perturbação do sossego. Portanto, o combate ao excesso de ruído constitui um mandamento constitucional e ultrapassa uma mera questão administrativa”, ressaltou o magistrado.

No âmbito infraconstitucional, o juiz acrescenta que há a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 1941), cujo artigo 42 proíbe a perturbação do trabalho ou do sossego alheios por meio de gritarias, algazarras, som alto e atividades ruidosas fora dos padrões legais.

“Para caracterizar essa contravenção, não se exige prova de dano à saúde, apenas a perturbação efetiva do sossego; a sanção prevista é de prisão simples, que vai de quinze dias a três meses ou multa”, observou. “Esta é a norma mais aplicada nos conflitos de vizinhança”, acrescentou.

“Há também a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 1998), que, no artigo 54, prevê o crime de poluição sonora e tipifica a emissão de ruídos em níveis que causem ou possam causar danos à saúde humana ou ao meio ambiente”, observou o titular do Juizado Especial Criminal de Macapá.

“Nesse caso, há exigência de aferição técnica e de comprovação de que os ruídos ultrapassam os padrões legais, o que demonstra a ocorrência ou a potencialidade de dano à saúde ou ao meio ambiente”, com pena prevista de reclusão de um a quatro anos e multa.

“O ponto-chave é que, quando o barulho afeta a saúde, ele deixa de ser um mero incômodo no caso da perturbação do sossego e passa a configurar crime ambiental, sujeito à repressão do Poder Judiciário”, observou o magistrado.

O tema também é disciplinado por Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), nº 01, de 1990, que estabelece critérios para avaliação da poluição sonora; por normas técnicas da ABNT, especialmente a NBR 10.151, que define parâmetros técnicos para caracterizar a poluição sonora; além de leis municipais e estaduais que fixam limites para a atuação de atividades econômicas com potencial de produção de ruído.

O magistrado explica que a distinção entre perturbação do sossego e poluição sonora pode ser compreendida pela forma como cada uma atinge as vítimas e pelo potencial de dano.

“A perturbação do sossego, que é uma contravenção penal, caracteriza-se por conduta que retira a tranquilidade de alguém ou de um grupo determinado, como som alto, gritarias, festas, uso abusivo de equipamento sonoro e atividades ruidosas em geral. Nesse caso, não há necessidade de comprovar danos à saúde; basta que tais ações prejudiquem o sossego de uma ou mais pessoas”.

“Um exemplo típico é o som alto em residências ou bares que incomodam vizinhos, mesmo durante o dia, cuja pena é de prisão simples de quinze dias a três meses ou multa, caracterizando infração de menor potencial ofensivo, normalmente tratada nos Juizados Especiais Criminais”, observou o juiz Augusto Leite.

“Já a poluição sonora ocorre quando há emissão de ruídos em níveis que causem ou possam causar dano à saúde humana. Em regra, trata-se de um processo que exige avaliação técnica do nível do ruído, a qual pode ser substituída por prova testemunhal, vídeos e outros elementos que demonstrem que esse barulho ultrapassa as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas”, detalhou o magistrado.

“Além disso, o alcance costuma ser mais coletivo, com número indeterminado de pessoas prejudicadas, o que afeta a saúde pública de forma geral, bem como o meio ambiente”, esclareceu. “Normalmente envolve atividade sonora intensa e contínua, acima dos limites legais, capaz de gerar estresse, distúrbios do sono ou outros prejuízos, como o barulho excessivo de indústrias ou shows permanentes”, exemplificou.

Diferente da perturbação do sossego, na poluição sonora a pena é de reclusão de um a quatro anos e multa, o que demonstra maior gravidade, e o processo não tramita no Juizado Especial, exceto na forma culposa, por negligência, imperícia ou imprudência.

O juiz Augusto Leite defende o diálogo antes do acionamento da lei, pois, com frequência, a pessoa ou o estabelecimento que causa a perturbação “não tem plena consciência do incômodo gerado, e uma conversa calma pode resolver o conflito de forma amigável e mais rápida, com preservação das relações”.

Contudo, quando o diálogo falha ou a perturbação persiste, o juiz afirma que o próximo passo consiste em acionar as autoridades competentes. “Para a perturbação do sossego, que configura contravenção penal, a Polícia Militar, pelo número 190, ou a Guarda Municipal são as primeiras opções para intervenção imediata”, segundo o magistrado. “Esses órgãos podem orientar o infrator e, em casos de reincidência, conduzir as partes à delegacia para registro de ocorrência”, acrescentou.

Para a poluição sonora, que configura crime ambiental, órgãos ambientais, como a Secretaria de Meio Ambiente do município ou do estado, ou o Ibama, são os mais indicados, pois contam com equipes técnicas para aferição dos níveis de ruído. “Em qualquer dos casos, a Polícia Civil pode ser procurada para o registro de um boletim de ocorrência, e o Ministério Público pode ser acionado em situações mais graves ou coletivas”, ressaltou.

O magistrado alerta que, para uma denúncia eficaz, é fundamental a reunião de evidências. “Filmagens e gravações de áudio do ruído, que identifiquem a fonte e o impacto, são muito úteis, e o registro de ocorrência policial, seja por meio de Termo Circunstanciado de Ocorrência ou Boletim de Ocorrência, formaliza a queixa”, observou. “Provas testemunhais de vizinhos ou de outras pessoas afetadas também têm relevância. Além disso, anotações detalhadas de datas, horários e duração dos episódios de ruído, com breves descrições da perturbação, ajudam a demonstrar a frequência ao juízo”, acrescentou.

Para casos de poluição sonora, “laudos de medição de ruído, elaborados por profissionais habilitados com decibelímetros calibrados conforme a NBR 10.151 da ABNT, constituem provas técnicas de grande valor”, ressaltou o juiz. “Laudos médicos e psicológicos, que comprovem danos à saúde decorrentes do ruído, também fortalecem o conjunto probatório e permitem diferenciar a contravenção penal de eventual crime ambiental”, acrescentou.

O juiz Augusto Leite observa que, na atuação específica de síndicos e administradoras em condomínios, “é fundamental compreender que o síndico atua como principal responsável por zelar pelo cumprimento das normas internas e pela harmonia entre os moradores, enquanto a administradora presta suporte técnico e administrativo”.

“Para a gestão de conflitos de ruído, o síndico e a administradora devem, em primeiro lugar, assegurar que o regimento interno e a convenção do condomínio contenham regras claras sobre horários de silêncio e uso de áreas comuns, com estímulo à conscientização dos moradores sobre a importância do respeito ao sossego”, advertiu o titular do Juizado Especial Criminal de Macapá.

Além disso, as reclamações devem ser formalmente registradas. “Antes do acionamento do Judiciário, ações internas como advertências verbais e escritas, aplicação de multas conforme as normas internas e mediação entre as partes envolvidas constituem passos essenciais”.

O magistrado ressalta que as reuniões de condomínio “também podem servir como espaço para a busca de soluções coletivas e para o reforço da necessidade de convivência pacífica, com o esgotamento das vias internas de resolução de conflitos”.

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