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Russos fizeram 145 ações de sabotagem na Europa desde 2022

Levantamento descreve ataques híbridos, incêndios criminosos, interferência aérea e ofensivas digitais atribuídas a Moscou

A Rússia vem conduzindo, há anos, uma campanha de sabotagem em diferentes países europeus, com ao menos 145 casos registrados desde 2022.

Os dados fazem parte de uma investigação da Associated Press que detalha o que autoridades e especialistas chamam de “guerra híbrida” liderada pelo Kremlin, marcada por operações clandestinas, ações indiretas e negação oficial de envolvimento.

Segundo o levantamento, os ataques se tornaram mais frequentes e graves após a invasão da Ucrânia, em 2022. As ações incluem explosivos colocados em trilhos ferroviários, incêndios criminosos, pacotes incendiários em centros logísticos e interferências eletrônicas em sistemas de aviação civil.

Na Polônia, explosivos foram posicionados em linhas férreas, incluindo um ataque à rota ferroviária entre Varsóvia e Lublin. O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, classificou o episódio como um ato de sabotagem, levantando suspeitas sobre a atuação de agentes ligados à Rússia.

Um alto funcionário de inteligência europeia afirmou à Associated Press que os serviços de segurança trabalham ininterruptamente para tentar conter essas ações. Segundo ele, trata-se de uma operação constante, que exige vigilância permanente em vários países.

Os dados indicam que os episódios se intensificaram desde o início da guerra na Ucrânia, coincidindo com o apoio político, militar e humanitário oferecido por países europeus a Kiev. Moscou, por sua vez, segue negando qualquer participação nos ataques.

Entre os casos documentados estão incêndios criminosos em Londres e na Estônia. Em janeiro, um supermercado e um restaurante ucraniano em território estoniano foram alvos de ataques incendiários cometidos por um cidadão moldavo que nunca havia visitado o país antes, fato que chamou a atenção das autoridades.

No Reino Unido, um grupo responsável por incendiar um galpão em Londres, usado para armazenar ajuda humanitária destinada à Ucrânia, foi ligado ao grupo mercenário Wagner. O ataque colocou em risco a vida de cerca de 60 bombeiros e causou prejuízo milionário.

De acordo com as investigações, o galpão foi escolhido por armazenar suprimentos humanitários e equipamentos de comunicação via satélite, como o sistema Starlink, utilizados pela Ucrânia.

Na Polônia, um shopping center em Varsóvia também foi alvo de um incêndio em maio de 2024. Donald Tusk afirmou que há grande probabilidade de o ataque ter sido realizado por sabotadores russos.

Outro ponto de atenção envolve pacotes incendiários em operações de carga aérea. No outono passado, autoridades britânicas investigaram a suspeita de que agentes russos tenham colocado um dispositivo explosivo em um avião, provocando um incêndio em um centro logístico da DHL, em Birmingham.

Embora ninguém tenha ficado ferido, o caso levantou alertas após um incêndio quase idêntico ocorrer em um depósito da DHL em Leipzig, na Alemanha. Um terceiro pacote suspeito, também destinado ao transporte aéreo, foi identificado como possível origem do fogo.

Especialistas alertam que esse tipo de operação pode evoluir para ataques de grandes proporções. O analista do Chatham House Keir Giles afirmou que civis inocentes provavelmente se tornarão vítimas da “guerra oculta” da Rússia contra países europeus.

Segundo Giles, durante a Guerra Fria, Moscou patrocinou grupos responsáveis por ataques armados em países da Europa. Ele avalia que, com os esquemas envolvendo pacotes em aeronaves, há indícios de um retorno da disposição russa em causar mortes em massa.

A investigação também aponta interferências eletrônicas em sistemas de navegação aérea. A Rússia é suspeita de realizar ataques de bloqueio e interferência em sinais de GPS, afetando companhias como Ryanair, Wizz Air, British Airways, EasyJet, TUI e Jet2.

Entre agosto de 2023 e março de 2024, cerca de 46 mil voos registraram problemas de interferência em regiões como o Mar Báltico, o Mar Negro e o Mediterrâneo oriental. A Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido afirma que voar continua sendo seguro, devido a protocolos de segurança em vigor.

Mesmo assim, especialistas alertam que esse tipo de interferência pode servir como treinamento para conflitos diretos com a Otan. Para Giles, a interrupção de sistemas eletrônicos permite testar capacidades militares em cenários reais sem declaração formal de guerra.

Além disso, crescem as ameaças de ataques cibernéticos. Em 2023, o então ministro britânico Oliver Dowden revelou que o Centro Nacional de Segurança Cibernética emitiu um alerta oficial a operadores de infraestrutura crítica sobre riscos emergentes ligados a adversários alinhados a Estados estrangeiros.

Segundo o órgão, grupos associados à Rússia passaram a ter motivação para interromper ou destruir sistemas essenciais no Reino Unido, como resposta ao apoio à Ucrânia.

Para especialistas, esses episódios devem ser tratados como atos de terrorismo. Samantha de Bendern, pesquisadora associada do programa de Rússia e Eurásia da Chatham House, afirmou que a Rússia já está em guerra com países europeus, mesmo que isso ainda não seja amplamente reconhecido.

De acordo com ela, Moscou aposta que a população se acostume gradualmente a situações de crise, como fechamento de aeroportos e interrupções provocadas por drones ou ataques eletrônicos. Na avaliação da especialista, apenas um evento catastrófico em território da Otan poderia levar a uma reação mais contundente.

A pesquisadora afirma compreender a resistência da população europeia a um confronto direto, mas alerta que, caso a Ucrânia seja derrotada, outros países poderão ser os próximos alvos da estratégia russa.

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