Vida após o infarto: por que os cuidados devem ser para sempre
Como se o primeiro susto não bastasse, um em cada quatro pacientes pode sofrer um novo evento cardiovascular em cinco anos.

Em uma viagem de férias para o Ceará com a esposa, o eletricista Vanderlei Gonçalves Barbosa, 61, que costumava trabalhar sem hora para voltar para casa, finalmente teria alguns dias para desacelerar. Mas um susto acabou transformando o merecido descanso em um pesadelo.
Ele lembra que tudo começou como uma dor incômoda na região do estômago. “Achei que estava com um problema de digestão”, recorda-se. Em seguida, uma falta de ar intensa fez com que ele percebesse que se tratava de algo muito mais grave. “Eu estava infartando”, constatou.
Aquele 14 de janeiro de 2018 marcaria para sempre a sua vida – e não apenas como uma lembrança de momentos de lazer, como estava nos planos. O infarto exigiu a implantação de quatro stents, com uma recuperação desafiadora. “Eu sofri uma broncoaspiração (entrada de substâncias como alimentos nas vias aéreas) e isso causou uma infecção, que me segurou por muito tempo na UTI”, conta. Foram 20 dias de internação, a maioria em terapia intensiva.
A partir dali tudo mudou, especialmente a forma como Vanderlei enxergava a própria saúde. Com a experiência, ele finalmente aprendeu: “os cuidados são para o resto da vida”. Oito anos depois, o eletricista faz consultas semestrais, usa medicamentos contínuos e vive uma rotina regrada. “Passei a me ver de outra forma. Hoje, procuro me cuidar bem mais, faço atividade física moderada e tento, ao máximo, evitar o estresse”, relata.
Mas nem todo paciente tem a mesma disciplina, mesmo depois de ter passado por um evento tão grave. A história de Vanderlei sintetiza o que os especialistas não se cansam de repetir: o infarto não termina quando o paciente deixa o hospital. A doença cardiovascular é crônica, progressiva e silenciosa. Ignorar isso pode custar a vida.
Coração mais vulnerável
Quem sobrevive a um infarto entra em uma fase conhecida como prevenção secundária, uma etapa determinante para evitar novas emergências. “Um em cada quatro sobreviventes têm maior probabilidade de sofrer outro evento em até cinco anos”, afirma o cardiologista Eduardo Lima, professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Segundo o médico, o controle rigoroso do colesterol torna-se essencial.
O motivo é simples, embora tenha o nome um tanto complicado: a aterosclerose. Trata-se do acúmulo de placas de gordura nas artérias, algo que não desaparece após o tratamento hospitalar. Pelo contrário: continua ali, avançando de forma silenciosa. Por conta disso, neste ano, as diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia foram atualizadas e as metas de controle passaram a ser ainda mais rígidas.
De acordo com o novo documento, o índice do colesterol LDL deve se manter abaixo de 50 mg/dL para quem já teve um infarto e abaixo ainda de 40 mg/dL para quem já teve mais de um. “Atingir e sustentar esses valores requer, necessariamente, tratamento medicamentoso, pois apenas mudanças de hábitos, embora fundamentais, não são suficientes”, reforça Lima.
Por que tantos pacientes abandonam o tratamento?
Mesmo diante de riscos tão altos, manter a adesão nem sempre é simples. Uma análise com mais de 240 mil pacientes, publicada no Clinical Research in Cardiology em 2025, demonstrou que apenas 20,6% mantiveram o uso contínuo de estatinas, que são os principais medicamentos para controle de colesterol na prevenção secundária, após 36 meses, indicando que a maioria abandona o tratamento antes do tempo recomendado.
“O que se observa é que muitos pacientes ainda não compreendem a doença cardiovascular como uma condição crônica, que exige tratamento contínuo ao longo da vida”, explica o cardiologista. “O fato de os medicamentos serem orais e de uso diário acaba impactando negativamente a adesão”, pontua. Ele lembra que existem terapias mais modernas, incluindo opções injetáveis de longa duração, aplicadas apenas a cada seis meses e capazes de melhorar significativamente a continuidade do tratamento. “Mas essas alternativas ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS)”, ressalta.
Esse comportamento de risco também foi constatado pela pesquisa Insights from Patients Living with Elevated Cholesterol (IPEC).
O levantamento, que foi realizado pelo Instituto Lado a Lado pela Vida em parceria com o Global Heart Club, mostrou que muitos indivíduos que já haviam sofrido um evento cardiovascular admitiram não seguir corretamente as mudanças de estilo de vida e ainda disseram não manter o uso regular da medicação ou o monitoramento laboratorial das taxas de colesterol. Parte deles apontou justamente como barreira o fato de o tratamento exigir administração diária.
A cardiologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo, membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida, participou do estudo, feito com pacientes de vários países, incluindo o Brasil.
Segundo ela, chama atenção o quanto os pacientes não reconhecem o colesterol alto como grave. “Quase um terço das pessoas que receberam o diagnóstico não consideravam que era algo sério”, relata.
Além disso, a maioria não sabia as metas de colesterol e se baseava apenas no valor de referência do exame, o que é um equívoco, já que essas metas variam conforme o risco individual.
Outro ponto crítico, segundo Macedo, é a desinformação sobre o tempo de tratamento. “A maioria dos participantes não sabia que o tratamento é para a vida toda. Ainda se mantém a ideia de que um pouco de dieta e perda de peso vai reduzir o risco, o que não é verdade em muitos casos”, ressalta.
Atraso no diagnóstico
O estudo do IPEC também mostrou que, diferente do que ocorre em outros países, a maioria dos brasileiros não descobriu o colesterol alto em exames de rotina, mas sim após sintomas cardiovasculares. “No Brasil, o paciente percebe algum sintoma e só então procura auxílio médico. Significa que o brasileiro entra tarde no sistema de saúde”, afirma a cardiologista do Instituto Lado a Lado Pela Vida.
Foi o caso de Vanderlei, que admite que, antes do infarto, nunca cuidou da saúde como deveria. “Eu não tinha muito esse cuidado. Eu trabalhava de doze a dezesseis horas por dia e não fazia check-up”, conta. Ele admite que o estresse era constante e que não se preocupava com a alimentação ou com a prática de exercícios físicos. “A gente sempre coloca a culpa no tempo, né?”, reconhece.
Antes do infarto, no entanto, seu corpo já dava sinais. “Eu tinha sim alguns sintomas, como desmaios. Às vezes, acordava com o coração acelerado”, lembra. Só após a emergência, entretanto, ele entendeu a gravidade da situação.
A alimentação adequada, o combate ao sedentarismo e a redução do estresse têm papel fundamental para a qualidade de vida, porém, isso não é suficiente. “Quem passou por um infarto consegue e deve manter cuidados preventivos e manter hábitos saudáveis, mas isso não substitui a necessidade de medicação”, explica o cardiologista Eduardo Lima.
Depois do episódio inesquecível a que sobreviveu, Vanderlei incorporou essa nova rotina com disciplina. “Independente se for medicamento, alimentação ou atividade física, é tudo moderado e regrado. Hoje, eu vivo muito bem”, comemora.
A jornada de Vanderlei é uma entre milhões de pessoas que sofrem de doenças cardiovasculares, que são as que mais matam no Brasil e no mundo. “Agora, procuro dar mais atenção para a minha saúde. Quando vejo que a situação está fugindo do controle, lembro do que eu passei”, conta.
O recado é direto: não basta sobreviver ao infarto. Felizmente, hoje, com a evolução da ciência e da medicina, há como impedir que o evento se repita. Mas para tanto, é fundamental que a população tenha informação clara e acessível, assim como acompanhamento médico regular, estilo de vida adequado e, sobretudo, adesão contínua ao tratamento. Cuidar do coração é um compromisso para toda a vida.



