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Cem dias sem solidão: confinamento de Bolsonaro é marcado por articulações políticas

Ex-presidente está em prisão domiciliar desde 4 de agosto por decisão do STF, onde enfrenta isolamento ao lado da esposa e com visitas políticas

Desde 4 de agosto, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ficasse em prisão domiciliar, ele está sob vigilância ininterrupta. A casa onde vive com a esposa, Michelle Bolsonaro, e a filha caçula permanece vigiada por policiais 24h/dia, sete dias por semana.

Localizada em um condomínio de alto padrão no Distrito Federal, a mansão é um ponto de peregrinação para aliados políticos e apoiadores. Apesar das restrições de comunicação impostas ao ex-presidente, o fluxo de pessoas no endereço nunca cessou e, dentro da casa, a movimentação se manteve constante.

Um levantamento sobre os primeiros 100 dias da prisão domiciliar de Bolsonaro revela que o ex-presidente, praticamente, não ficou sozinho durante o período. As informações foram organizadas com base nos despachos do ministro Alexandre de Moraes de autorização de visitas.

Entre 4 de agosto e 12 de novembro, Bolsonaro esteve com visitantes em 62 ocasiões, atendendo a 69 pessoas. O número de encontros é menor do que o de visitantes porque algumas reuniões foram coletivas.

Quase metade dos que estiveram com Bolsonaro no período são aliados políticos – entre eles, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). No grupo, destacam-se os congressistas: 9 senadores e 17 deputados federais foram ao Solar de Brasília.

O segundo grupo mais frequente recepcionado pela família Bolsonaro é formado por religiosos: amigos da ex-primeira-dama que se juntaram para prestar apoio espiritual à família.

O levantamento não contabilizou as visitas dos filhos Flávio, Carlos e Renan, pois eles têm acesso livre ao local. Proibido pelo ministro Alexandre Moraes de manter contato com o pai, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) está nos Estados Unidos desde antes de a prisão domiciliar ter sido determinada.

Por que Bolsonaro está preso

Em 18 de julho, o ministro Alexandre Moraes determinou medidas cautelares contra o ex-presidente em razão de inquérito proposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a atuação dele e do filho Eduardo junto ao governo dos Estados Unidos.

Em um tensionamento que vinha escalando dia a dia, Donald Trump já tinha anunciado tarifaço contra os produtos brasileiros e justificado a medida como retaliação a uma suposta perseguição promovida pelo STF contra Bolsonaro.

Também circulavam notícias de que o governo dos EUA preparava sanções baseadas na Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras – que, de fato, se confirmaram depois.

Por causa das articulações políticas de Eduardo nos Estados Unidos e devido ao fato de o ex-presidente ter enviado um Pix de R$ 2 milhões para os gastos do filho nos EUA, a PGR acusou a dupla de tentar obstruir a Justiça e atentar contra a soberania brasileira.

Em resposta à ação da PGR, Moraes determinou medidas cautelares que obrigavam o ex-presidente a usar tornozeleira eletrônica e a se manter em casa entre as 19h e as 6h. Bolsonaro também foi proibido de manter contato com diplomatas e embaixadores estrangeiros e de se comunicar via redes sociais, direta ou indiretamente, com quaisquer pessoas.

O ex-presidente também deveria se abster de participar de transmissões e retransmissões, bem como não veicular áudios, vídeos e entrevistas em plataformas digitais por meio de suas contas ou de terceiros.

Bolsonaro, entretanto, alegou dúvidas quanto ao alcance das medidas e não abriu mão da retórica de perseguição. A situação chegaria ao ápice em 3 de agosto, durante manifestação na Avenida Paulista, pelo projeto de lei da Anistia. Na ocasião, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) exibiu aos apoiadores uma chamada de vídeo em que estava com o ex-presidente.

No mesmo dia, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Carlos Bolsonaro (PL-RJ) publicaram em suas redes sociais um vídeo em que o pai se dirigia aos manifestantes pró-anistia que estavam em Copacabana (RJ) – o material foi apagado horas depois.

O dia 4 de agosto, uma segunda-feira, começou sem sobressaltos. Pela manhã, Bolsonaro deixou sua casa, tomou café em uma padaria, no Cruzeiro, cortou o cabelo em uma barbearia e passou em uma lotérica, onde tirou fotos com apoiadores. Em seguida, foi para a sede do Partido Liberal (PL), no centro de Brasília.

No fim da tarde, por volta das 18h, o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro. A decisão se baseou nos registros do dia anterior – prints, vídeos e imagens que comprovam, conforme o despacho, o descumprimento das cautelares.

Moraes citou a participação, ainda que por telefone, no ato do Rio de Janeiro e a videochamada com Nikolas Ferreira como exemplos de violação das restrições.

“A Justiça não permitirá que um réu a faça de tola, achando que ficará impune por ter poder político e econômico. A Justiça é igual para todos. O réu que descumpre deliberadamente as medidas cautelares pela segunda vez deve sofrer as consequências”, assinalou o ministro na decisão.

Bolsonaro foi informado das novas condições por agentes da Polícia Federal (PF) assim que ingressou no Solar de Brasília.

Confinamento e fé

Ainda que os políticos estejam em maior número entre os visitantes de Bolsonaro durante o confinamento, as três pessoas mais assíduas na casa do ex-presidente entraram para participar de “encontros de fé e apoio familiar”, segundo os advogados de defesa.

Márcio Roberto Trapiá de Oliveira, que é pastor e já trabalhou como assessor da senadora Damares Alves; Dirce Dias de Andrade Carvalho, sócia do movimento cristão Legendários de Brasília; e Thiago Manzoni (PL-DF), deputado distrital no DF, foram uns dos que estiveram mais vezes com o ex-presidente.

O trio pertence ao grupo de oração comandado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ao todo, 16 pessoas se reúnem com o casal semanalmente, às quartas-feiras. Os cultos se tornaram a rotina mais constante do ex-presidente desde o início da prisão domiciliar. O grupo de oração já fez sete reuniões na residência.

Ainda que a aproximação com o casal Bolsonaro tenha propósitos religiosos, as relações dos integrantes do grupo com a família não prescindem completamente da política. O distrital Thiago Manzoni, por exemplo, emprega em seu gabinete o coronel Flávio Peregrino, alvo de operação da Polícia Federal em dezembro do ano passado.

Peregrino atuou nos últimos anos como assessor do general Walter Braga Netto e tornou-se alvo da investigação sobre a trama golpista como suspeito de ter tentado obter informações sigilosas da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Não entrou, no entanto, entre os denunciados pela PGR.

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