Os avanços no STF e no Congresso de propostas que impõem limites entre os poderes
Senado analisa projeto aprovado na Câmara com restrições ao papel e ao poder dos ministros, visto no Supremo como interferência indevida

Medidas que impõem limites aos poderes avançaram no Congresso e no STF nas duas últimas semanas e devem acrescentar novos elementos à sequência de embates travados entre o Legislativo e o Judiciário. De um lado, o Senado começou a analisar um projeto de lei aprovado na Câmara que altera o poder de controle concentrado de constitucionalidade da corte.
Do outro, o Supremo Tribunal Federal avançou em dois processos sobre supostas omissões dos parlamentares: um sobre a falta de leis no país para taxação de fortunas, que terá julgamento retomado nesta semana, e outro relacionado às regras de execução dos gastos do orçamento da União com as emendas parlamentares, que entrou em nova etapa com adoção de medidas antecipadas de fiscalização e controle.
Os movimentos tensionam ainda mais as relações pouco harmônicas entre o Parlamento e o Supremo, por serem encarados pelo lado oposto como regras que podem afrontar a independência dos poderes da República. Na lista de episódios pretéritos que podem exemplificar o clima, estão: os pedidos de impeachment de ministros do STF; as propostas para alterar o regramento penal pró-anistia; as campanhas de ódio patrocinadas por radicais para favorecer o ex-presidente e réus da trama golpista; e a inédita – e inimaginável, em tempos de democracia – intervenção estrangeira com cancelamento de vistos de entrada nos Estados Unidos e aplicação de sanção econômica da Lei Magnitsky, antiterrorismo, contra ministros do Supremo.
Controle legislativo
No Senado, tramita desde o mês passado um projeto de lei, aprovado na Câmara, que muda regras para ações do Supremo. De autoria do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), a proposta foi reajustada sob relatoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP) e faz parte do pacote de medidas de “contenção” externa, que busca limitar o chamado “ativismo judicial” da corte.
“O projeto vai corrigir distorções e regulamentar ritos e procedimentos no STF”, justificou Manente. O texto, se for aprovado no Senado, altera os julgamentos de ações de constitucionalidade ou de descumprimento de preceito fundamental, as decisões monocráticas (em que um único ministro julga) e os tipos de processos e ordenamentos que a corte pode atuar sem moderação interna e externa.
O texto estabelece ainda prazos que, na prática, inviabilizam boa parte das ações, como as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que deverão pela proposta ser concluídas em doze meses, após a distribuição do processo para o ministro relator, com possibilidade de prorrogação justificada.
Hoje, esse tipo de ação não tem prazo. A “ADPF das Favelas“, por exemplo, que regula a letalidade nas operações policiais no Rio de Janeiro, é de 2019. Manente diz que as medidas são “importantes para a moderação dos poderes”. “As atuações de maneira monocrática, em uma única canetada, estarão limitadas e regulamentadas”, explicou.
Controle judicial
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, no mesmo dia em que a Câmara dava andamento ao projeto para moderar o Supremo, ministros começaram a analisar dois processos que incomodam parlamentares: um sobre a responsabilidade do Congresso em supostas omissões por não legislar a respeito da taxação sobre fortunas no país e, outro, sobre regras de uso e controle de emendas.
O julgamento da ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 55 voltou à pauta do plenário do STF no dia 23 de outubro e aguarda na fila para o início do debate e votos dos ministros. Iniciada em 2010 e com um voto favorável ao pedido do ex-relator, o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, o caso deve ser retomado na próxima quarta-feira, 5, semana com os votos e a decisão da maioria. Nesse julgamento serão estipuladas, se o pedido de autoria do PSOL foi aceito, a responsabilização do parlamento e a definição das normas legais para o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas).
No Planalto, a pendenga é observada de perto. A proposta é parte das medidas fiscais enviadas ao Congresso que buscam incrementar a receita – como a taxação de bets – para fechar as contas do governo. O presidente tem criticado a resistência do Congresso em aprovar a medida.
As ADPFs integram a lista de poderes que o projeto da Câmara enviado ao Senado tenta “moderar”. Um dos casos mais sensíveis do embate é a ação que estipula regras de controle para as emendas parlamentes e desvios dos recursos, sob relatoria do ministro Flávio Dino. Após uma audiência no Supremo de contextualização sobre o processo, há duas semanas, o ministro determinou a expansão do sistema adotado na esfera federal com deputados e senadores para envio de recursos orçamentários para deputados estaduais e vereadores municipais.
O processo é acompanhado com atenção no Congresso e seus resultados são vistos com ressalvas por políticos. Conexo a processos criminais em andamento na corte contra parlamentares por desvios bilionários com as emendas, o caso tem potencial para atingir outros parlamentares, fora de Brasília, e gente do governo.
As investidas de parlamentares e políticos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro contra o Supremo e seus membros aumentaram nos últimos meses, reforçadas por integrantes do Centrão e, até mesmo, por aliados do governo. Todos unidos pelo interesse em limitar poderes do Judiciário de “legislar” e estipular normas legais para temas constitucionais, e também em busca de frear investigações e ordens de prisão contra parlamentares.
Os movimentos, de ambos os lados, mostram que o tensionamento entre Congresso e Supremo – em rota de colisão desde o governo passado – agravou-se com a prisão domiciliar, em julho, e a condenação do ex-presidente, no início de setembro, e persiste até o momento, mantendo a harmonia estremecida na Praça dos Três Poderes.



