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Das fake news à trama golpista: a trajetória do embate entre Bolsonaro e Moraes

Dois inquéritos separam a tensa relação entre ex-presidente e ministro do STF, com episódios finais previstos para a próxima semana

O Supremo Tribunal Federal (STF) encerra dentro de uma semana mais um capítulo do embate entre o ministro Alexandre de Moraes e o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Até sexta-feira da próxima semana, (12), a Primeira Turma da Corte vai selar o destino de Bolsonaro no inquérito da trama de golpe de Estado.

Bolsonaro é acusado de liderar a articulação de um plano de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022. Além dele, outros sete aliados são réus no inquérito: os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos e o ex-ajudante de ordens do Planalto Mauro Cid.

O embate entre Moraes e Bolsonaro teve início em 2019, quando o ministro do STF assumiu a relatoria do inquérito das Fake News, que investigava ameaças e a propagação de notícias falsas contra membros da Corte. O processo foi aberto de ofício, por determinação do então presidente do colegiado, ministro Dias Toffolli, após ataques de blogueiros e aliados do ex-presidente aos ministros.

No desenrolar da investigação, a Polícia Federal constatou a criação de um “gabinete do ódio” que nasceu dentro do Palácio do Planalto. De acordo com o inquérito, notícias falsas eram criadas pela cúpula e propagadas por jornalistas e blogueiros, como Allan do Santos e Oswaldo Eustáquio, ambos foragidos nos Estados Unidos e Espanha, respectivamente. A PF ainda apontou o filho do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), como líder do gabinete.

Em seguida, Moraes abriu o inquérito dos atos antidemocráticos para investigar manifestações a favor da ditadura militar e do AI-5, além de seus financiadores. O processo se tornou um braço da investigação anterior e novos mandados de busca e apreensão foram cumpridos contra a cúpula bolsonarista. No decorrer do processo, Bolsonaro passou a atacar a Moraes, disse que o ministro atacava a democracia e o chamava de “ditador”.

Foi exatamente nesse período em que Bolsonaro passou a atacar as urnas eletrônicas, questionando a confiabilidade do processo eleitoral brasileiro. Nesse período, Moraes era vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assumindo o comando da Corte em fevereiro de 2022.

Em 2021, Bolsonaro intensificou as críticas a Moraes e às decisões da Suprema Corte em meio à pandemia de Covid-19. O ex-presidente estava pressionado a avançar com medidas para conter o avanço da doença, mas resistia justificando liberdade de expressão e que era preciso abrir comércios para evitar uma derrocada econômica. Jair Bolsonaro ainda era contra a vacinação, mas precisou recuar após determinações da Corte obrigar a aplicação do imunizante para a população.

No mesmo ano, o ex-chefe do Planalto aumentou seus ataques sobre o processo eleitoral brasileiro e expôs um suposto inquérito sigiloso da Polícia Federal em uma de suas lives semanais. A gravação foi parar nas mãos de Moraes, que determinou a inclusão de Bolsonaro no inquérito das Fake News, impulsionando o conflito entre eles.

7 de setembro e Moraes no TSE

Ao figurar no rol de investigados pela primeira vez, Bolsonaro passou a amplificar seus ataques diretos a Moraes. Durante uma manifestação de 7 de setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente atacou o ministro do STF, disse ser vítima de censura e pregou desobediência às decisões do ministro.

A declaração não atingiu apenas Moraes, mas todos os ministros da Suprema Corte, gerando repercussão negativa nos corredores do STF e do Congresso Nacional. A crise precisou ser apartada pelo seu antecessor, Michel Temer, que escreveu uma carta para amenizar o cenário, além de intermediar uma conversa por telefone entre Bolsonaro e o ministro do STF.

A paz entre ambos, no entanto, durou poucos meses. Bolsonaro mantinha seus ataques ao sistema eleitoral, enquanto Alexandre de Moraes assumiu oficialmente a presidência do TSE, sendo responsável pela eleição presidencial de 2022. Foi neste ano que o ex-presidente escalou o conflito contra o Judiciário.

Daniel Silveira e Eleições 2022

Para entender o capítulo envolvendo o ex-deputado federal Daniel Silveira é preciso voltar a 2021, quando Moraes determinou a prisão do parlamentar por gravar vídeos com ameaças e ataques aos ministros do STF. Um mês depois, o deputado foi para o regime domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica.

Silveira era um dos principais aliados de Bolsonaro na Câmara dos Deputados e fazia parte da tropa de choque do ex-presidente quando o assunto era ataques aos Poderes. Quando Bolsonaro queria mandar recados, Silveira era um dos primeiros a fazer coro.

Em 2022, sob a relatoria do ministro, a Suprema Corte condenou o deputado a oito anos de prisão, além cassar o mandato e os direitos políticos. Em sinal de embate, Bolsonaro concedeu um perdão de pena a Silveira, medida que foi derrubada pelo STF em seguida.

Os embates entre Bolsonaro e Moraes se mantiveram em alta durante o período pré-eleitoral. Em julho, Jair Bolsonaro reuniu embaixadores em uma reunião institucional para atacar as urnas eletrônicas. Em setembro, durante as comemorações do Dia da Independência, o ex-chefe do Planalto reforçou as críticas, mesmo com a campanha eleitoral em curso. As declarações motivaram dois processos no TSE, que tornaram Bolsonaro inelegível até 2030.

Durante a eleição, Moraes barrou pedidos da campanha de Bolsonaro no TSE e passou a investigar os ataques feitos pelo ex-presidente às urnas. Após as derrotas, o ex-presidente questionou a lisura das eleições e pediu um relatório do Exército para apontar a confiabilidade das urnas. Moraes entendeu que o pedido tinha o objetivo de questionar o resultado do pleito sem provas e cobrou uma multa de R$ 22,9 milhões do PL, partido do ex-presidente.

De presidente a réu no inquérito do golpe

O desfecho das batalhas começa a tomar contornos em 8 de janeiro de 2023. Mesmo nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro teria inflado apoiadores a seguir pela Praça dos Três Poderes para invadir prédios públicos em uma tentativa de instaurar o caos no cenário político do país. Isso é o que apontou a Polícia Federal em seu relatório, que indiciou o ex-presidente no inquérito da trama golpista, aberto por Moraes após os ataques.

O ex-presidente foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em fevereiro deste ano e foi apontado como líder da organização que articulou um plano golpista após as eleições. Uma das provas apontadas pelo procurador-Geral da República, Paulo Gonet, é o compartilhamento de notícias falsas nas redes sociais e declarações do ex-presidente contra o sistema eleitoral brasileiro. Para ele, Bolsonaro tentou descredibilizar a confiabilidade das urnas eletrônicas e o processo eleitoral para legitimar uma ruptura golpista.

A denúncia aponta a gravação de uma reunião ministerial, realizada no dia 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro cobra de seus ministros a utilização da estrutura do Estado para reforçar a desconfiança sobre o processo eleitoral. A acusação reforça o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que realizou blitzes no dia do segundo turno das eleições de 2022 em áreas em que Lula obteve maioria dos votos para impedir que os eleitores pudessem votar.

Bolsonaro ainda é acusado de editar e aprovar uma minuta golpista, que previa a declaração de Estado de Defesa no país, a revogação das eleições de 2022, além da prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O documento também previa a formação de uma comissão provisória liderada por militares para investigar as supostas fraudes eleitorais e convocar novas eleições.

O ex-presidente, de acordo com a PGR, apresentou o documento para os comandantes das Forças Armadas e chegou a pressioná-los para aderir ao plano golpista. O então líder da Marinha, o almirante Almir Garnier, deu aval à ideia, mas os comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, se negaram a aderir à proposta. A tese foi corroborada por Freire Gomes e Baptista Junior em depoimentos à Polícia Federal.

Gonet ainda reforça que o ex-presidente da República tinha ciência e deu o aval para a execução do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades, como Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin. O documento foi elaborado pelo general Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, e impresso nas dependências do Palácio do Planalto.

“O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições”, afirmou a PGR na denúncia.

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro nega todos os crimes atribuídos à ele.

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