A vida de ser rejeitado no mundo e ameaçado em casa: a realidade que Lula ignora
Há um lamento velado pelas poucas baixas entre os judeus. Essa gente é aquela que não se conforma por “Hitler não ter terminado o serviço”

Por Ricardo Kertzman
Ser israelense, e acima de tudo judeu, é viver com uma cicatriz que atravessa gerações. Uma marca de rejeição histórica, perseguição política e ameaça existencial contínua. Desde muito antes da fundação de Israel, em 1948, a identidade judaica já era alvo – não de discordâncias, mas de violência sistêmica.
Não vou nem recorrer aos tempos bíblicos: a escravidão no Egito e as perseguições dos impérios. Vou ser mais, digamos, contemporâneo. Na Europa Oriental, os pogroms foram ensaios cruéis do que viria depois. Em Odessa, entre 1821 e 1905, centenas de judeus foram mortos ou feridos em sucessivos ataques.
Entre 1881 e 1884, uma onda de massacres se espalhou por dezenas de cidades russas. As “Leis do Maio” institucionalizaram a exclusão: restringiram onde os judeus podiam viver, estudar ou trabalhar. O pogrom de Kishinev, em 1903, foi um divisor de águas: mais de 40 mortos, centenas de casas destruídas.
Silêncio internacional ensurdecedor
Em Białystok, em 1906, tropas russas incentivaram outra carnificina. Estima-se que, na Guerra Civil Russa, entre 1918 e 1920, o número de judeus assassinados tenha variado de 35 mil a mais de 100 mil – vítimas de todos os lados do conflito, inclusive dos exércitos nacionalistas ucranianos, dos bolcheviques e dos cossacos.
A Europa – dita civilizada – entregaria sua contribuição definitiva ao horror com o Holocausto. Entre 1933 e 1945, o regime nazista industrializou o extermínio, assassinando sistematicamente cerca de seis milhões de judeus. Não foi uma aberração isolada. Foi o ponto culminante de séculos de rejeição, demonização e massacre.
O antissemitismo europeu não era um delírio, era política de Estado, prática social e convicção cultural. Não bastava excluir, era preciso eliminar. Com o fim da Segunda Guerra e a fundação do Estado de Israel, em 1948, a ameaça deixou de ser apenas europeia. De imediato, países árabes vizinhos declararam guerra.
Tentativa de extermínio definitiva
Foi o início de um cerco contínuo, militar e diplomático, que jamais se encerrou. Em 1956, na Crise de Suez, Israel enfrentou Egito, Reino Unido e França em um jogo de interesses geopolíticos. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, lutou contra Egito, Jordânia e Síria e venceu, mas passou a ser visto como uma potência expansionista.
Em 1973, foi atacado de surpresa no Yom Kippur. Sobreviveu mais uma vez, mas nunca mais voltou a dormir em paz. Nos anos 1980, Israel invadiu o Líbano para combater a OLP. Nos anos 1990 e 2000, enfrentou duas Intifadas – rebeliões palestinas marcadas por atentados suicidas em ônibus, cafés, mercados e escolas.
Nenhum outro país democrático teve de treinar suas crianças para evacuar salas de aula em 15 segundos. Nenhum outro país ocidental viu seus civis sendo dilacerados dentro de suas casas por grupos terroristas enquanto o mundo pedia “moderação”. Como Gaza se tornou o centro da tempestade, em 2005, Israel se retirou do território.
7 de outubro de 2023: o ponto de inflexão
Mas, em 2006, o Hamas tomou o poder e, desde então, transformou a região em uma base militar cercada por escudos humanos. Em 2008, 2012, 2014, 2021 e novamente a partir de 2023, Israel foi reiteradamente atacado pelos grupos terroristas financiados e armados pelo Irã, que mergulharam a região em ciclos de guerra e devastação.
O mundo, de longe, discutia o “conflito”. Os israelenses, de perto, enterravam filhos, pais e irmãos. O ponto de inflexão brutal ocorreu em 7 de outubro de 2023. Nessa data, o Hamas lançou o maior ataque contra civis judeus desde o Holocausto. Foram cerca de 1.200 mortos, muitos deles mutilados, queimados vivos e estuprados.
Centenas de israelenses foram sequestrados, incluindo bebês e idosos. O ataque revelou falhas graves de inteligência por parte do governo de Israel, mas também escancarou a já conhecida natureza do inimigo: o Hamas não quer um Estado palestino. Quer a destruição do Estado judeu. Isso, o mundo finge não entender.
Escudos humanos com palestinos
A resposta foi avassaladora. Milhares de ataques aéreos devastaram Gaza. Fala-se em mais de 30 mil mortos. Civis morreram, sim. Crianças, mulheres, inocentes. Mas não há como ignorar o que provocou esse inferno. O Hamas escolheu a guerra. E esconde-se entre civis para depois exibir cadáveres à imprensa global.
Hoje, mais uma vez, Israel se vê forçado a agir não por ambição, mas por sobrevivência. O Irã, regime teocrático que financia direta e indiretamente o terrorismo islâmico em toda a região, avançava a passos firmes rumo à obtenção de uma arma nuclear. Esse mesmo Irã que nega o Holocausto e que promete “varrer Israel do mapa”.
Diante disso, Israel decidiu – com razão e legitimidade – lançar uma operação militar cirúrgica contra instalações nucleares iranianas, em autodefesa. E, como sempre, o mundo treme, não diante da ameaça xiita, mas da resposta israelense. Ser judeu, portanto, é habitar um espaço impossível: rejeitado pelo mundo, ameaçado em casa.
A democracia que resiste
Quando se defende, é chamado de opressor. Quando morre, é tratado como estatística. O antissemitismo moderno não precisa mais de estrelas amarelas. Ele se esconde em ONGs, em editoriais sofisticados, em salas da ONU que aplaudem tiranos e demonizam sobreviventes. Isso não é vitimismo, como disse Lula. É uma cronologia de fatos.
Israel é uma democracia imperfeita – como todas -, mas é também um milagre histórico: um povo que saiu dos pogroms russos e dos fornos de Auschwitz para construir um país com universidades, tecnologia, cultura, ciência e liberdade. O que está em jogo não é um “conflito” territorial. É o direito de um povo existir e viver sem pedir desculpas.
Israel não é perfeito. Mas é real. E sobrevive, ainda que aos trancos e barrancos, entre a rejeição externa e a ameaça interna. Porque, para o povo judeu, a alternativa à eterna vigilância é o extermínio. E isso a história já ensinou vezes demais para que alguém ainda tenha o cinismo de duvidar. Os israelenses não duvidam. Protegem-se.
Lulopetismo e antissemitismo
Eu havia terminado esse artigo, escrito no sábado à tarde, no parágrafo acima, para publicá-lo nesta segunda-feira, 23. Com o ataque americano às usinas nucleares iranianas à noite, e com a repercussão no Brasil, resolvi emendar o texto com duas pertinentes observações. A primeira com relação à tradicional posição do governo Lula contra Israel.
A amizade do chefão petista com os maiores nones do terror mundial é histórica: Mahmoud Ahmadinejad, Muamar Al Gadhafi e Yasser Arafat. Como é histórico seu gosto por ditadores e ditaduras mundo afora: Chávez e Maduro, na Venezuela; irmãos Castro, em Cuba; Ortega, na Nicarágua; Putin, na Rússia. Por isso não surpreende a nota oficial do governo condenando os EUA.
A segunda observação tem a ver com a reiterada “dúvida” de quem adoraria assistir a mais mortes de judeus durante os ataques terroristas a partir de Gaza e do Irã: “Por que morrem tão poucos em Israel?”. É claro que essa gente sabe que judeus não utilizam judeus como escudos humanos e que o país possui uma larga infraestrutura pública (bunkers e defesa antiaérea) de proteção aos civis.
Eles sabem, também, que em quase todas as casas, apartamentos, hospitais, hotéis, shoppings etc., em Israel, existem “quartos seguros”, habitáculos destinados a proteger pessoas contra bombardeios. Portanto, não se trata de uma dúvida sincera, mas de um lamento velado pelas poucas baixas entre os judeus. Essa gente é aquela que não se conforma por “Hitler não ter terminado o serviço”.