“Sequestro do orçamento” deixa municípios com piores IDH sem emendas
Cidades com piores índices de desenvolvimento humano ficam de fora de repasses

Levantamento com dados do Portal da Transparência do governo federal mostra que, das 20 cidades brasileiras com piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 15 não receberam emendas parlamentares há pelo menos um ano.
Os últimos repasses ocorreram até junho de 2024 e, na maioria dos casos, foram inferiores a R$ 1 milhão. Para o levantamento foram considerados apenas valores já pagos, excluindo empenhos e autorizações.
No caso de Melgaço, no arquipélago de Marajó (PA), o município mais pobre do país, com IDH de 0,418 – próximo ao de países africanos como Mali. A última emenda, de R$ 500 mil em abril de 2023, foi destinada à saúde.
A economia local é baseada na agricultura de subsistência e na produção de açaí. O município enfrenta analfabetismo acima da média nacional (20% da população acima de 15 anos não sabe ler ou escrever), calor extremo e isolamento geográfico.
Já Gurupá (PA), vizinha de Melgaço, com IDH de 0,509, razoavelmente acima de Melgaço, recebeu R$ 9,3 milhões em emendas no mesmo período.
A prefeita de Gurupá, Iracilda Alho (MDB), aliada política do governador Helder Barbalho (MDB), compartilhou recentemente mensagem do governador exaltando apoio político. Especialistas ouvidos pelo jornal apontam que o alinhamento entre prefeitos e governadores tende a influenciar deputados e senadores na escolha dos destinos das verbas parlamentares.

Outros casos
Entre junho de 2024 e maio de 2025, das R$ 28 bilhões em emendas repassadas no país, cinco cidades do grupo das 20 com piores IDH receberam apenas R$ 20 milhões – 0,09% do total.
Em Inhapi (AL), 14º no ranking dos mais pobres, apenas 40% da população tem acesso à água encanada e 2% à rede de esgoto. A última emenda, de R$ 900 mil, foi repassada em maio do ano passado. Em Delmiro Gouveia (AL), com IDH médio (0,612), foram R$ 9 milhões em emendas. A prefeita Ziane Costa (MDB) é filha de aliado do governador Paulo Dantas (MDB).
Algumas cidades acumulam anos sem receber emendas federais. Em Bagre (PA), a última destinação foi em 2018. A população vive em comunidades ribeirinhas isoladas e sofre com falta de médicos e saneamento básico.
Mesmo quando recebem recursos, municípios aguardam por verbas há anos. Fernando Falcão (MA) recebeu em maio R$ 145 mil que esperava desde 2019. Itamarati (AM) recebeu R$ 347 mil para computadores escolares, recurso esperado desde 2016.