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Carta do governo Trump reforça que ordens de Moraes não têm efeito nos EUA

Documento enviado ao ministro do STF cita princípios do direito internacional e questiona ordens contra Rumble

O governo Donald Trump, por meio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, afirmou em carta enviada ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suas decisões contra a plataforma Rumble não têm efeito em território americano. No documento, o órgão americano diz que ordens judiciais estrangeiras só podem ser executadas nos EUA após trâmite legal de reconhecimento, o que não ocorreu no caso.

“O tribunal americano aplicaria a lei aplicável e determinaria se ordenaria a reparação solicitada contra uma parte sobre a qual tem jurisdição”, diz o documento, assinado por Ada Bosque, diretora do Escritório para Assistência Judicial Internacional da Divisão Civil do Departamento de Justiça. 

“As ordens do tribunal brasileiro não são executáveis nos Estados Unidos, a menos que haja procedimentos bem-sucedidos de reconhecimento e execução nos Estados Unidos.”

A carta foi endereçada a Moraes em 7 de maio, com cópia ao Ministério da Justiça do governo Lula. O ministério confirmou ter recebido o documento e o encaminhou ao setor responsável pela análise.

O posicionamento do Departamento de Justiça foi motivado por queixas apresentadas pela própria Rumble, plataforma de vídeo popular entre influenciadores da direita. Moraes proferiu uma decisão obrigando a plataforma a nomear um representante legal no Brasil e estabeleceu o pagamento de multas à empresa.

Em março, o STF formou maioria para confirmar o entendimento de Moraes de suspender o funcionamento da plataforma de vídeos em território nacional. Em razão disso, a Rumble e a Trump Media & Technology Group processaram o ministro nos Estados Unidos.

Caso Rumble

A Rumble relatou ter sido alvo de quatro decisões judiciais de Moraes em fevereiro deste ano. As ordens incluíam o bloqueio de contas ligadas a Allan dos Santos, a suspensão de repasses financeiros e a nomeação de um representante legal no Brasil. 

Essas supostas diretrizes são emitidas sob ameaça de penalidades monetárias e outras sanções”, afirma o texto do Departamento de Justiça dos EUA.

Embora o governo americano evite comentar a validade das decisões dentro do Brasil – “o que é uma questão de lei brasileira” -, deixa claro que não reconhece sua eficácia nos Estados Unidos. 

“Na medida em que esses documentos ordenam a Rumble a realizar ações específicas nos Estados Unidos, informamos respeitosamente que tais diretivas não são ordens judiciais executáveis nos Estados Unidos.”

O documento também cita princípios do direito internacional para reforçar sua posição: 

“Um Estado não pode exercer jurisdição para executar no território de outro Estado sem o consentimento deste outro Estado.”

Para que suas decisões tivessem validade fora do país, Moraes teria de acionar formalmente canais legais previstos em tratados internacionais, como o MLAT (Tratado de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal) ou convenções de Haia.

Anúncio de Rubio

Na quarta-feira, 28, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, publicou em seu perfil no X a nova política dos EUA sobre autoridades que censuram cidadãos americanos.

“Por muito tempo, os americanos foram multados, assediados e até mesmo acusados ​​por autoridades estrangeiras por exercerem seus direitos de liberdade de expressão”, disse o secretário de Estado americano, seguindo:

“Hoje, anuncio uma nova política de restrição de vistos que se aplicará a autoridades estrangeiras e pessoas cúmplices na censura de americanos. A liberdade de expressão é essencial ao estilo de vida americano – um direito inato sobre o qual governos estrangeiros não têm autoridade.”

A mensagem de Rubio, que não menciona nenhuma autoridade, termina assim:

“Estrangeiros que trabalham para minar os direitos dos americanos não devem ter o privilégio de viajar para o nosso país. Seja na América Latina, na Europa ou em qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que trabalham para minar os direitos dos americanos acabaram.”

Íntegra da carta:

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos refere-se ao processo acima [Petição 9.935] mencionado e apresenta seus cumprimentos ao Supremo Tribunal Federal do Brasil (“Tribunal”). No âmbito do Departamento de Justiça, o Gabinete de Assistência Judicial Internacional (“OIJA”) atua como Autoridade Central, nos termos da Convenção de Haia sobre a Notificação no Exterior de Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção de Haia sobre Notificação”) e da Convenção de Haia sobre a Colheita de Provas no Exterior em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção de Haia sobre Provas”), e o Gabinete de Assuntos Internacionais (“OIA”) atua como Autoridade Central dos Estados Unidos sob os Tratados de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Criminal (“MLATs”), incluindo o Tratado entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da República Federativa do Brasil sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Criminal (“Tratado Brasil-EUA de Assistência Jurídica Mútua”) e convenções multilaterais que incluem disposições de assistência jurídica mútua às quais o Brasil e os Estados Unidos são signatários.

Fomos informados pela Boies Schiller Flexner LLP, advogados externos dos EUA da Rumble Inc. (“Rumble”), que seu cliente recebeu quatro documentos judiciais relacionados ao processo acima referido, caracterizados da seguinte forma: (1) uma ordem de 9 de fevereiro de 2025; (2) uma ordem de 10 de fevereiro de 2025; (3) um mandado de citação e ordem associada de 19 de fevereiro de 2025; e (4) uma decisão de 21 de fevereiro de 2025. Esses documentos judiciais, de acordo com as traduções fornecidas pelos advogados da Rumble, ordenam à Rumble, uma corporação organizada sob as leis de Delaware, um estado dos EUA, com sede principal nos Estados Unidos, bloquear contas associadas a uma pessoa identificada na plataforma de mídia social da Rumble, suspender a transferência de pagamentos para essa pessoa, e fornecer ao Tribunal Brasileiro informações sobre transferências de pagamentos previamente efetuadas para essa pessoa. Essas supostas determinações à Rumble são feitas sob ameaça de sanções monetárias e outras penalidades.

Não nos posicionamos quanto à aplicabilidade das várias ordens e demais documentos judiciais que ordenam que a Rumble atue dentro do território brasileiro, o que é uma questão de direito brasileiro. No entanto, na medida em que esses documentos ordenam que a Rumble realize ações específicas nos Estados Unidos, respeitosamente informamos que tais determinações não são ordens judiciais exequíveis nos Estados Unidos. Segundo o direito internacional consuetudinário, “um Estado não pode exercer jurisdição ou aplicar a lei no território de outro Estado sem o consentimento deste.” Reformulação (Quarta Edição) do Direito das Relações Exteriores dos Estados Unidos, Seção 432 (Instituto Americano de Direito, 2018). Veja também id. Nota dos relatores 1 (“A jurisdição para execução inclui… o desempenho de funções governamentais coercitivas. Exemplos incluem… a entrega de processos obrigatórios, a condução de investigações policiais ou administrativas, a tomada de depoimentos e declarações de testemunhas, [e] a execução de uma ordem para a produção de documentos…”); cf. Fed. Trade Comm’n v. Compagnie de Saint-Gobain-Pont-á-Mousson, 636 F.2d 1300, 1313 (D.C. Cir. 1980) (“Quando o processo compulsório é entregue, no entanto, o próprio ato de entrega constitui um exercício da soberania de uma nação dentro do território de outra soberania. Tal exercício constitui uma violação do direito internacional.”) (notas de rodapé omitidas).

Para executar uma sentença civil estrangeira ou outra ordem judicial estrangeira em matéria civil nos Estados Unidos, a pessoa que busca a execução geralmente precisa iniciar um processo judicial nos EUA para reconhecer e executar a ordem estrangeira perante um tribunal competente dos EUA. O tribunal americano então aplicaria a legislação aplicável e decidiria se ordena a concessão da medida solicitada contra uma parte sobre a qual tenha jurisdição. A legislação dos EUA prevê várias bases para o não reconhecimento, que podem incluir devido processo insuficiente ou incompatibilidade com a legislação americana que protege a liberdade de expressão. As ordens do tribunal brasileiro não são executáveis nos Estados Unidos sem a abertura e sucesso em procedimentos de reconhecimento e execução perante os tribunais americanos.

Além disso, gostaríamos de expressar preocupações quanto à forma de entrega dos documentos à Rumble. Atualmente, não dispomos de informações suficientes para determinar o objeto ou natureza do processo mencionado, incluindo se se trata de matéria civil ou criminal. Contudo, na medida em que o Tribunal Brasileiro busque ordenar que a Rumble realize ações no Brasil, a entrega dos documentos judiciais à Rumble nos Estados Unidos deve ocorrer por meio de um canal apropriado, consistente com o direito internacional consuetudinário e quaisquer acordos aplicáveis entre Brasil e Estados Unidos. Esses canais variam conforme a natureza do processo, seja ele civil ou criminal.

Observamos que o cumprimento dos procedimentos adequados para a entrega de documentos judiciais, por si só, não determina se tais documentos têm efeito no país de origem, o que é uma questão de direito interno estrangeiro. Reiteramos que não tomamos posição sobre a eficácia das ordens do Tribunal dentro do Brasil, conforme a legislação brasileira.

Para documentos judiciais relacionados a matérias civis e comerciais, a entrega deve ser realizada em conformidade com a Convenção de Haia sobre Notificação, da qual tanto o Brasil quanto os Estados Unidos são partes. Pessoas nos Estados Unidos podem ser notificadas nos termos da Convenção de Haia por meio do canal principal de transmissão (Artigo 5) ou por quaisquer canais alternativos ou excepcionais (por exemplo, Artigos 8, 10 ou 25).

Pedidos de provas ou informações a terceiros em conexão com matérias civis ou comerciais não devem ser dirigidos por meio da Convenção de Haia sobre Notificação, mas podem ser feitos através de Carta Rogatória ao OIJA, nos termos da Convenção de Haia sobre Provas. Note-se que, de acordo com o Artigo 12(b), o OIJA não utilizará medidas coercitivas para executar uma Carta Rogatória que pretenda penalizar uma testemunha não parte nos Estados Unidos por não cumprir um pedido estrangeiro de obtenção de provas.

Os Estados Unidos podem fornecer uma ampla gama de assistências em casos criminais quando as informações ou provas solicitadas estiverem localizadas nos Estados Unidos.

Como Autoridade Central dos EUA responsável pela implementação dos MLATs, o OIA auxilia promotores estrangeiros, juízes de investigação e autoridades policiais a obter informações e provas localizadas nos Estados Unidos para uso em investigações criminais, julgamentos e procedimentos relacionados em países estrangeiros. A assistência inclui, entre outras coisas, a entrega de processos legais ou outras notificações a pessoas localizadas nos Estados Unidos. Autoridades Centrais ou Competentes legalmente designadas (Autoridade Central) sob MLATs ou acordos internacionais podem fazer solicitações aos Estados Unidos em nome das suas autoridades investigativas e judiciais. Todas as solicitações feitas nos termos dos MLATs devem ser submetidas por meio da Autoridade Central designada para fazer solicitações em nome das autoridades do país requerente, conforme o tratado ou convenção multilateral específica invocada. O OIA não pode executar um pedido de assistência nos termos de um MLAT se o pedido não for apresentado por meio da Autoridade Central do país solicitante.

O Artigo 13 do Tratado Brasil-EUA de Assistência Jurídica Mútua dispõe expressamente sobre a notificação de documentos pelo Estado Requerente à parte adequada no Estado Requerido.”

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