“A mentira da era digital: você nunca foi dono de nada”
O youtuber e escritor americano Jared Henderson critica a “erosão dos direitos de propriedade” no mundo digital - de filmes da Amazon a livros no Kindle

O youtuber e ensaísta americano Jared Henderson publicou o vídeo “You Will Own Nothing” (“Você não vai possuir nada”), em seu canal no YouTube.
Henderson alerta para um problema cada vez mais presente no cotidiano de quem consome cultura e tecnologia: a perda progressiva dos direitos de propriedade em produtos digitais.
“Se você está comprando conteúdo digital, você não está realmente comprando”, explica. “Você está apenas adquirindo uma licença, e essa licença pode ser revogada.”
Sony
O ponto de partida do vídeo é o caso da Sony em 2023, quando a empresa anunciou que conteúdos da Discovery seriam removidos das bibliotecas de quem os comprou. A reação foi tão negativa que a decisão foi revertida.
“As pessoas ficaram compreensivelmente furiosas”, lembra. A questão, porém, vai além da Sony: Amazon, Apple, Steam e outras grandes plataformas operam sob os mesmos termos de licenciamento. “Na prática, se você está comprando mídia digital online, você não é dono de nada”
Segundo Henderson, essa lógica já se aplica a filmes, séries, livros e jogos – e o próximo passo é a assinatura obrigatória para acesso até mesmo a funções básicas de bens físicos.
“A Califórnia aprovou recentemente uma lei obrigando marketplaces a informar que você está adquirindo apenas uma licença, sujeita a cancelamento”
Redigi
O vídeo também recupera a história da Redigi, empresa que tentou legalizar a revenda de arquivos digitais nos Estados Unidos.
“Eles desenvolveram uma tecnologia que impedia o antigo dono de continuar com uma cópia. Mesmo assim, a gravadora Capitol Records processou a empresa, e os tribunais rejeitaram a proposta”, afirma.
A doutrina da primeira venda, que garante seu direito de revender produtos físicos, não vale para arquivos digitais.”
Não pode emprestar
Para ilustrar a perda de controle, Henderson dá um exemplo trivial: “Se você compra um livro físico, pode lê-lo, emprestá-lo, revender, ou até queimá-lo. Com o Kindle, isso não é possível”.
A funcionalidade de empréstimo digital do Kindle, inclusive, foi descontinuada pela Amazon. “Vivemos num mundo onde você não pode mais emprestar algo que pagou – somos forçados a ser clientes permanentes.”
O autor dedica uma parte substancial do vídeo a seus hobbies, como jogos de RPG de mesa e Magic: The Gathering, ambos agora sob controle da Hasbro, que digitalizou as franquias com foco em monetização contínua.
Aluguel
“No D&D Beyond, você pode compartilhar livros que comprou com amigos – mas só se pagar uma assinatura. Caso contrário, perde esse direito”. Ele compara a situação ao que ocorre com jogos digitais, que podem ser retirados do ar ou alterados sem aviso. “Você pensa que está comprando, mas só está alugando”.
No mundo dos softwares, Henderson identifica a Adobe como um dos principais exemplos da transição forçada para o modelo de assinatura.
“Hoje, a Creative Cloud custa cerca de 700 dólares por ano. E se você parar de pagar, perde o acesso ao que já produziu”
Mensalidades
Em contraste, elogia empresas como a Blackmagic, que vende o DaVinci Resolve com atualizações contínuas sem cobrança recorrente. “Paguei uma vez e continuo recebendo as novas versões”
Ele aponta também a tendência absurda de aplicar assinaturas a itens físicos. “A HP quer transformar impressoras em serviços por assinatura. A Brother já coloca DRM no toner – se você cancela a assinatura, o cartucho para de funcionar”
No setor automotivo, cita a BMW e a Mercedes como precursoras dessa prática: “Na BMW, você tem que pagar mensalidade para ativar o banco aquecido, mesmo que o carro já tenha o hardware instalado”
“Você não vai possuir nada e será feliz”
O vídeo então aborda a expressão “você não vai possuir nada e será feliz”, que viralizou como meme e crítica a esse modelo. A frase foi originalmente publicada pelo Fórum Econômico Mundial, num artigo utópico sobre o futuro da economia de compartilhamento.
“Na visão do texto, o mundo seria tão eficiente que ninguém mais precisaria comprar bens duráveis. Mas o meme ganhou força porque estamos, na realidade, sendo empurrados para um sistema de assinaturas forçadas”, alerta.
Henderson cita o economista grego Yanis Varoufakis e seu conceito de “tecno-feudalismo”, no qual os usuários deixam de ser donos de bens e passam a pagar aluguel pelo acesso a plataformas e serviços. “Não é que os bens não sejam mais possuídos – eles continuam sendo, só que por empresas. E nós apenas alugamos o direito de usá-los”
O vídeo termina com sugestões práticas: “Eu parei de comprar livros no Kindle. Compro só físicos. Quero poder deixar meus livros para o meu filho quando eu morrer”
Henderson sugere também apoiar iniciativas como o movimento do Direito de Reparo e a Electronic Frontier Foundation. “É um pequeno passo, mas podemos recusar produtos que exigem assinaturas para funções básicas. Não compre. Não alimente esse modelo”
Quem é Jared Henderson
Jared Henderson é um escritor, ensaísta e criador de conteúdo americano. Seu canal no YouTube, com mais de 500 mil inscritos, trata de temas como tecnologia, direitos digitais, filosofia e cultura contemporânea. Já publicou textos em plataformas como Substack, onde mantém um boletim sobre ética na tecnologia e consumo digital.