
Por Conceição Freitas
Daqui a quatro meses, o mundo vai reabrir as feridas ainda não de todo cicatrizadas de um dos mais atrozes atos de guerra da história da humanidade: a bomba atômica, perversamente chamada de “little boy”, lançada em 6 de agosto de 1945 sobre a cidade de Hiroshima (e três dias depois a outra, denominada “fat man”, contra Nagasaki).
De cara, uma pergunta assombrosa: por que os dois artefatos mais destruidores já lançados sobre uma cidade ganharam o nome de “menininho” e de “gorducho”? Seriam as bombas um perverso gozo científico/destruidor daqueles homens? Calcula-se que perto de 250 mil pessoas morreram vítimas do ataque radioativo, entre mortos no dia, mortos depois e mortos muito depois.

Muito será rememorado, pensado, avaliado daqui até 6/8 sobre essa inflexão hedionda na história da humanidade. Aqui, pretendo evocar a ressurreição de Hiroshima, dado que metade da população morreu e quase toda a cidade foi destruída no monstruoso ataque. Dos 419 mil habitantes, restaram 137 mil. Passados 80 anos, a população passou de 1 milhão.
Uma sobrepele nasceu sobre a pele derretida da cidade. Já nos primeiros meses após a inominável devastação, ervas daninhas começaram a brotar do solo, contra tudo o que os cientistas diziam. Não muitos dias depois da catástrofe, o oleandro, arbusto ornamental colorido e tóxico, ressurgiu; árvores de cânfora muito antigas voltaram a verdejar – sinais de vida ressurgindo sobre o território arrasado.

Oitenta anos depois, Hiroshima é uma cidade rediviva e forçosamente moderna. Restaram quase somente ruínas das edificações antigas e as novas construções invocam o desejo de viver serenamente sobre o chão das cidades. Há museus e monumentos construídos para fortalecer a paz, para que o horror jamais se repita.
O Museu Memorial da Paz, do consagrado Kenzo Tange, com o concreto aparente, os pilotis, os extensos gramados lembram os edifícios brutalistas de Brasília. O memorial foi construído em 1955, quando a nova capital do Brasil nem existia. Há muitos jardins e praças na cidade renascida.
Hiroshima quer e precisa ser muito mais do que a cidade-totem do horror. Do mesmo modo que as florzinhas brotaram do chão morto, a atmosfera urbana e cordial foi se impondo sobre a tragédia. Era preciso existir para além da bomba. E Hiroshima existe.

O roteiro turístico inclui atrações de uma cidade qualquer. A panqueca chamada okonomoyaki é famosa. Recomenda-se comer a iguaria com um copo grande de cerveja. Sim, porque a vida noturna de Hiroshima é flamejante – bares, cafés, restaurantes, tudo misturado porque assim é que é bom.
Conheço Hiroshima só virtualmente. Não foi preciso mais que isso para me surpreender com o renascimento da cidade. Assim vamos, de floração em floração, suportando o horror.