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Forças políticas e interesses regionais elevam pressão de Lula na Margem Equatorial

Segundo rumores que circulam nos bastidores, a Petrobras estaria disposta até a construir um centro de despetrolização para agilizar a licença

Durante visita ao estado do Amapá, na semana passada, o presidente Lula elevou a pressão sobre o Ibama para a liberação das licenças necessárias ao início do trabalho de pesquisa e avaliação sobre o potencial de exploração de petróleo na região da Margem Equatorial, a 160 quilômetros do litoral do estado e a 500 da foz do Rio Amazonas.

“É isso que queremos. Se depois vamos explorar, é outra discussão. O que não dá é ficar nesse lenga-lenga”, disse ele, referindo-se à atuação do órgão de barrar ou exigir especificações técnicas que têm atrasado os planos do governo.

Ainda que se possa considerar que não foi a expressão mais apropriada, Lula estava correto na cobrança: está mesmo mais do que na hora de encontrar uma solução para o caso, que envolve, por ora, apenas a liberação de licença para realizar pesquisas. Nos capítulos mais recentes da novela, após a negativa do Ibama, a Petrobras apresentou estudos complementares para tentar destravar o processo.

Segundo rumores que circulam nos bastidores, a companhia estaria disposta até a construir um centro de despetrolização com o objetivo de agilizar a licença. Presente ao mesmo evento em que Lula reclamou do lenga-lenga, a presidente da empresa, Magda Chambriard, garantiu que a Petrobras tem estrutura para fazer “tudo de forma extremamente segura”.

Para justificar a empreitada, o governo federal costuma apontar para os vizinhos sul-americanos que já começaram a perfurar a região e colher as bonanças do petróleo.

Impulsionada pelos lucros da commodity, a Guiana registrou a alta estratosférica de 43% do PIB em 2024 e liderou o ranking global de crescimento, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) – a Petrobras aposta que as águas brasileiras são contempladas com a mesma riqueza e está disposta a desembolsar 3 bilhões de dólares até 2029 para abrir quinze poços ao longo da Margem Equatorial, que se estende por 2 200 quilômetros entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. Apenas na Foz do Amazonas, uma das cinco bacias da região, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que seja possível extrair entre 6,2 e 10 bilhões de barris de petróleo.

“O governo tem a oportunidade de levar o Estado e a indústria às áreas da floresta hoje dominadas por grupos ilegais de garimpo, grilagem e extração madeireira”, avalia Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio.

Devido ao aumento da pressão política, a exploração parece inevitável. No recente discurso no Amapá, ficou clara a aliança entre Lula e Davi Alcolumbre em torno do assunto. “Não venha cantar de galo sobre a nossa capacidade de preservar”, afirmou o presidente do Senado, durante discurso feito ao lado do presidente. Alcolumbre, que construiu a carreira no Amapá e mantém por lá sua principal base, é hoje a voz de maior peso a favor do negócio, mas não é a única. O interesse do Planalto na exploração também é endossado por outros políticos da Região Norte, que veem a oportunidade de injetar dinheiro em suas bases eleitorais.

Um dos que ajudam a engrossar o coro de Lula pró-liberação, em Brasília, é o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Goés (PDT). Ex-governador amapaense, ele é o encarregado de direcionar os esforços federais para desenvolver a infraestrutura estadual, investir na cadeia produtiva e capacitar a população local para receber o colossal projeto petrolífero em estudo.

“Ninguém pode apontar o dedo para o Amapá por faltar com a proteção ambiental. A Margem Equatorial vai resguardar a suficiência e a transição energética do Brasil, e o Amapá está sendo preparado para contribuir e receber sua parte”, afirma Góes.

Aliados no Legislativo estadual, como os deputados pedetistas Delegado Inácio e Jesus Pontes, atuam na articulação política do plano e afirmam que o apoio à extração é ponto de consenso na região. “Não é fácil viver em um dos estados mais pobres do Brasil, e essa bandeira une todos que desejam o desenvolvimento econômico da Amazônia”, diz Pontes.

Um dos maiores avalistas da exploração na costa amazônica é o senador Randolfe Rodrigues (PT), que deixou a Rede Sustentabilidade em maio de 2023, após decisão do Ibama contrária à liberação da pesquisa na Margem Equatorial. O Ibama é subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, chefiado por Marina Silva, principal nome da Rede. Os outros dois senadores do estado levantam a mesma bandeira de Randolfe.

“Somos escravos ambientais. Nós preservamos tudo e nos compensaram em quê? Somos o estado mais preservado do mundo, mas temos a população mais pobre do Brasil”, afirma o senador Lucas Barreto (PSD). Ele cita que o Amapá, com 73% do seu território preservado, em 2023 tinha 57% da população do estado inscrita para receber benefícios sociais.

O desfecho do caso, com a possível autorização à exploração, deve ter um impacto na área ambiental do governo, a começar pelo Ibama. Nas últimas semanas, aumentaram rumores sobre a substituição de Rodrigo Agostinho na presidência do Ibama. O próprio partido do presidente vem alimentando o fogo da fritura.

“Técnico nunca pode estar acima do interesse público. O interesse público é do país, que tem as suas riquezas e quer ter acesso a elas”, afirmou Rogério Carvalho, líder do PT no Senado. Cada vez mais, os argumentos do Ibama de que só é possível avançar no processo com 100% de segurança parecem uma resistência ideológica alinhada com especialistas e correntes ambientalistas mais radicais. Entre eles, o “não” à investida é praticamente unânime.

“Não devemos continuar explorando nem o que já está em exploração. Se não zerarmos o saldo de emissões até 2040, estaremos no caminho do ecossuicídio” , defende o renomado cientista Carlos Nobre. Como contraponto a esse tipo de crítica, o governo federal diz que colocará em prática um projeto que irá acelerar a transição energética do Brasil com os recursos da nova fronteira de exploração petrolífera. A direção da Petrobras, por sua vez, tem lembrado nos debates o sólido histórico da companhia de expertise em prospecção em águas profundas, sem registros de acidentes mais graves.

O estágio atual da pressão do Governo Gederal sobre o Ibama provoca um evidente desconforto em Marina Silva, a ministra do Meio Ambiente, que sempre foi contrária à exploração. Nos últimos tempos, no entanto, ela tem evitado o tema. Limita-se a dizer que o debate sobre a licença é uma questão que precisa ser resolvida no campo técnico.

Apesar disso, o constrangimento público agora é evidente, como ocorreu no último dia 14, no evento do anúncio das verbas para a COP30. Na ocasião, Lula disse que a ministra “jamais seria contra” , porque “é uma pessoa inteligente”, e que ia “mostrar para a companheira Marina que é plenamente possível fazer a prospecção de petróleo”. Já a ministra discursou enfatizando a importância da transição energética.

Saias justas semelhantes tendem a se repetir, pois parcelas do PT resolveram mirar suas baterias contra ela. “A ministra tem atentado contra os interesses nacionais”, afirma Washing­ton Quaquá, integrante da Executiva Nacional do partido.

A situação parece um déjà-vu de 2008, quando, no segundo mandato de Lula, Marina colocou o cargo à disposição por causa da construção de hidrelétricas de grande porte na região da Amazônia, entre elas a de Belo Monte. No ano seguinte, desfiliou-se do PT, pondo fim a um vínculo de 24 anos com a sigla. A repetição desse enredo teria um custo político imenso para o governo, que sediará a COP30 na Amazônia neste ano. Lula vem deixando claro que aceita assumir esse risco em nome dos benefícios da exploração dessa nova fronteira do petróleo.

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