Quando soube que o Scorpions, banda alemã de hard rock, estava escalado para tocar no Rock in Rio, o guitarrista Matthias Jabs resolveu dar um presente para o empresário Roberto Medina, criador do festival. Telefonou para Nashville, cidade no Tennessee onde fica a sede da fabricante Gibson, e encomendou uma guitarra verde com o formato do logotipo do evento: o mapa da América do Sul.
Parecia o presente perfeito, mas o vocalista Klaus Meine queria mais. Na coletiva de imprensa, perguntou aos jornalistas brasileiros qual música ele poderia cantar durante os shows dos dias 15 e 19 de janeiro para homenagear os anfitriões.
“Acredite em mim quando eu digo: aqueles dez dias foram inesquecíveis!”, afirma Meine. “Não é todo dia que dividimos o palco com AC/DC, Ozzy Osbourne e Whitesnake ou, então, que tocamos para uma multidão ensandecida de mais de 300 mil fãs! Foi simplesmente fantástico”.
A escolhida foi Cidade Maravilhosa, marchinha de carnaval composta por André Filho e gravada por Aurora Miranda, a irmã de Carmen Miranda, que se tornou o hino oficial do Rio de Janeiro.
Em 2019, os Scorpions voltaram a tocar no Rock in Rio: Meine regeu a multidão em Cidade Maravilhosa, e Jabs tocou duas ou três músicas na guitarra restaurada pelo luthier português António Pinto Carvalho.
Scorpions foi um dos 31 artistas e bandas contratados para participar do Rock in Rio I, em 1985. Mas, montar o line-up daquela primeira edição, uma das mais elogiadas até hoje, foi um trabalho digno de Hércules.
Muitos artistas simplesmente não quiseram vir. E tinham lá suas razões. Até então, shows internacionais no Brasil eram algo raro de se ver. E os poucos que ousaram fazer, como The Police em 1982 e Van Halen e Kiss em 1983, não guardavam boas recordações.
“Em 1980, os instrumentos do Earth, Wind & Fire sumiram no porto do Rio”, relata o jornalista Luiz Felipe Carneiro, de Rock in Rio: A História – Bastidores, Segredos, Shows e Loucuras que Marcaram o Maior Festival do Mundo.
Até chegar às 16 atrações internacionais, Medina e sua equipe, Luiz Oscar Niemeyer e Oscar Ornstein, tentaram mais de 100 nomes. A lista completa está no livro Metendo o Pé na Lama, escrito pelo publicitário Cid Castro, o criador do logotipo que inspirou a guitarra dos Scorpions: vai de Bob Dylan a Bryan Adams e passa, entre outros gigantes do rock, por The Rolling Stones, Led Zeppelin e Pink Floyd.
Em 45 dias, Medina e sua equipe ouviram 70 “nãos”. “Passamos um mês inteiro entre Nova Iorque, Los Angeles e Londres. Por vezes, pensamos em desistir, mas seguimos até o final”, recorda Niemeyer. “No último dia, nos abraçamos, emocionados, no palco”.
Numa das incontáveis vezes em que pensou em desistir, Medina teve a ideia de ligar para Lee Solters, o assessor de imprensa de Frank Sinatra.
Os dois haviam se conhecido em 1980 quando o empresário trouxe o cantor para soltar o vozeirão no Maracanã. “A única coisa que você tem que fazer é oferecer um coquetel para cerca de cinquenta pessoas”, orientou Solters, por telefone. “O resto pode deixar comigo”.
O assessor de imprensa de Sinatra reuniu alguns dos mais influentes críticos de música do planeta. Dali a alguns dias, o Rock in Rio virou notícia em jornais, como o britânico The Guardian, e revistas, como a americana Billboard. Em pouco tempo, Medina passou a ser procurado por agentes e empresários.
Dos artistas internacionais, o primeiro a assinar contrato foi Ozzy Osbourne. Dos nacionais, Rita Lee. Houve até fila de espera, com Stray Cats e Culture Club. Em cima da hora, três desistências: Men at Work, The Pretenders e Def Leppard. Foram substituídos por Rod Steward, B-52’s e Whitesnake, respectivamente.
“A primeira edição é, ainda hoje, a melhor de todas”, afirma o jornalista Arthur Dapieve, autor de BRock: O Rock Brasileiro dos Anos 80 e Renato Russo – O Trovador Solitário. “Em nenhuma outra, o público teve duas bandas que podiam ser as principais da noite. Quer um exemplo? Queen e Iron Maiden”.