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No Brasil, 1,3 milhão de pessoas estão sob risco iminente de despejo, alerta Campanha Despejo Zero

Do total de pessoas despejadas e ameaçadas de remoção entre 2020 e 2024, 66% são negras e 60% são mulheres

No Brasil existem atualmente 1.335.052 pessoas ameaçadas de ser removidas à força de suas casas. O levantamento feito pela Campanha Despejo Zero, que reúne 175 entidades e movimentos populares, entre os quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), foi divulgado nesta quarta-feira (14).  

O estado de São Paulo é, disparado, o que mais puxa este índice para cima. São 360.504 pessoas ameaçadas de despejo, que representam 27% de toda a população que vive nesta situação no país. Em seguida vem Pernambuco, com 173.644 pessoas sob a iminência da remoção.  

Desde que foi criada – em março de 2020 – até o momento, a Campanha contabiliza que 1.564.556 pessoas foram ou estão afetadas por despejos. Este número reúne as que já sofreram reintegração de posse e aquelas que vivem sob este risco. Deste montante, 66% são negras, 60% são mulheres, 17,1% crianças e 16,8% idosas.  

A luta por moradia com o fim da ADPF que proibiu despejos 

Em outubro de 2022 terminou a vigência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por pressão dos movimentos, suspendeu as remoções forçadas no Brasil durante a pandemia de covid-19.  

No período de um ano e 10 meses, 625.640 pessoas se somaram à parcela da população afetada pela falta de acesso à moradia digna no país.  

Para Raquel Ludermir, da Campanha Despejo Zero, este “aumento expressivo em muito pouco tempo” é o que mais chama a atenção neste novo levantamento. Ela alerta que o índice é subnotificado: não leva em conta, por exemplo, a população em situação de rua. “Estamos falando, portanto, de um problema alarmante de primeira grandeza”, constata.  

Quando a proibição dos despejos acabou, o ministro Luís Roberto Barroso determinou, com respaldo da Corte, que tribunais de justiça nos estados criassem Comissões de Conflitos Fundiários.  

O STF estabeleceu, ainda, que o poder público tem a obrigação de ouvir representantes das comunidades afetadas; avisá-las com antecedência da situação; dar um “prazo razoável” para a desocupação e encaminhar quem precise para “abrigos” ou adotar “outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia”.    

Passados quase dois anos da determinação destas medidas, Ludermir ressalta que a simples existência de espaços de mediação de conflitos fundiários nas instâncias estaduais do Judiciário é “uma vitória”. Há, no entanto, uma série de ressalvas sobre o seu funcionamento. 

Criminalização da luta por moradia

O cenário da questão habitacional no Brasil, além do crescimento das famílias afetadas por despejos, é de aumento de Projetos de Lei (PLs) que buscam criminalizar quem faz luta pelo acesso à moradia. O caso mais emblemático é o PL 709/23, que pune quem faz ocupações em áreas urbanas e rurais, e está para ser votado no Senado. 

Já aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto é de autoria do deputado federal Marcos Pollon (PL-MS), envolvido no acampamento de fazendeiros que vem promovendo ataques às retomadas do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. O texto prevê que pessoas em ocupações sejam proibidas de receber auxílios sociais como Bolsa Família e de assumir cargos ou funções públicas.   

Além desta iniciativa, há ao menos outros 25 PLs similares tramitando ou já aprovados em Brasília e nas Assembleias Legislativas de 12 estados. São eles: São Paulo, Espírito Santo, Maranhão, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Mato Grosso, Tocantins, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Pará.  

“Precisamos partir para o enfrentamento e fazer com que mais e mais pessoas entendam o quanto estamos diante de um absurdo. As pessoas estão sendo duplamente punidas: além de não ter seu direito à moradia garantido, ainda terão que correr o risco de perder o seu direito à Bolsa Família, ao BPC [Benefício de Prestação Continuada]”, argumenta a integrante da Campanha Despejo Zero. 

Rio de Janeiro – Reintegração de posse de prédio na Lapa, região central da cidade, ocupado, segundo a defensoria pública, a cerca de um ano por aproximadamente 20 famílias (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Movimentos cobram instância no Governo Federal 

Além desta pauta, os movimentos populares cobram que o governo federal crie a Comissão Nacional de Mediação de Conflitos Fundiários, promessa de campanha e do governo de transição do presidente Lula (PT).  

Passado um ano e oito meses de gestão, o desentendimento sobre a pasta competente pela Comissão – entre a Secretaria Nacional das Periferias (SNP) do Ministério das Cidades e a Secretaria de Acesso à Justiça (Saju) do Ministério da Justiça – fez com que até hoje ela não tenha se estruturado. 

“No âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário, já foi criada a Ouvidoria Agrária. No Ministério dos Povos Indígenas, tem também a instância de mediação de conflitos. Mas para a questão urbana, até agora não conseguimos resolver isso junto ao governo federal”, cobra Benedito Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e também membro da Campanha. 

“É um gargalo fundamental”, resume Dito Barbosa, como é conhecido. Das comunidades despejadas ou ameaçadas de remoção mapeadas pela Campanha Despejo Zero, 80% estão nas cidades.  

“A gente tem um compromisso do governo federal de que a Comissão Nacional de Mediação de Conflitos Fundiários vai se concretizar, mas até o momento não tem elementos concretos para entender quando que isso vai se dar. Também temos inúmeras dúvidas em relação a como isso vai se operar”, destaca Ludermir. 

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