Startup quer redistribuir riqueza amazônica com população local
Criada em uma das regiões com menor densidade de startups do Brasil, Inova Manejo une conhecimento acadêmico e sabedoria tradicional
Se você, assim como eu, conhece pouco ou nada do Norte do Brasil, venha comigo nesse exercício de imaginação: tábuas enfincadas no leito do rio sustentam uma casa de madeira. De um lado, um mundo d’água; ao redor, as bordas da floresta Amazônica.
Foi em uma dessas ilhas ribeirinhas do interior do Pará, onde homem e natureza vivem em uma comunhão fora da compreensão dos moradores da cidade, que Anderson Firmino viveu até os oito anos de vida. Naquela idade, o menino mudou-se para Macapá, capital do Amapá, acolhido por parentes para ter acesso mais fácil à educação. Anderson virou bicho da cidade, mas a conexão com a floresta permaneceu.
A startup Inova Manejo é resultado dessa união entre conhecimento acadêmico e sabedoria tradicional. O projeto nasceu na Unifap (Universidade Federal do Amapá), onde o engenheiro florestal faz doutorado em Biodiversidade Tropical.
Entre os serviços prestados estão apoio à regularização fundiária, licenciamento ambiental, assistência técnica rural e o próprio manejo florestal – a análise técnica do inventário de recursos naturais de determinada área da floresta para indicar o que pode, ou não, ser removido para a exploração sustentável Pode parecer contraditório unir “exploração” e “sustentável” em uma mesma frase, ainda mais em se tratando da combalida Floresta Amazônica, mas é aí que o conhecimento científico faz toda a diferença.
“Você faz um inventário florestal para saber o que tem naquela região e sabe o que pode ser extraído sem que haja um desequilíbrio no ecossistema. Não pode tirar tudo. ‘Manejo’ e ‘sustentável’ são sinônimos”, explicou Anderson.
Depois do tenebroso avanço recente no desmatamento florestal, a Amazônia Legal teve, no primeiro bimestre de 2024, o menor índice de desmatamento dos últimos seis anos: 196 quilômetros quadrados, 63% a menos do que os 523 quilômetros quadrados do ano anterior, segundo dados do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia divulgados em março.
O manejo a que Anderson se refere é uma prática contrária a esse avanço predatório da floresta: trata-se do uso inteligente dos recursos, não dizimação do bioma. É como se em vez de demolir uma casa, você derrubasse uma parede entre a cozinha e a sala, reformando o ambiente sem mexer na estrutura.
População local
A região Norte tem a menor densidade de startups do Brasil, segundo relatório de 2022 da Associação Brasileira de Startups (ABStartups): detém 5% do total das iniciativas. Em penúltimo lugar, em empate técnico, está o Centro-Oeste, com 5,1%.
Além do aspecto ambiental, a Inova Manejo se foca na população local. “A gente busca o fortalecimento da sociobioeconomia, que é justamente a inclusão dos locais em nossos projetos. Ao contrário do que muita gente pensa, a Amazônia é habitada”.
Com o conhecimento acadêmico e as tecnologias – como drones, por exemplo, que permitem a realização de um inventário acurado com rapidez – a startup apoia pequenos produtores de açaí e de espécies oleaginosas a monitorarem e aumentarem sua produção sem gerar impactos adicionais no ecossistema.
O movimento que Anderson e seus sócios conduzem é um passo na desconstrução da dinâmica vigente, onde a riqueza da floresta é extirpada por grandes produtores e a população local é espremida, junto da fauna e da flora, rumo à extinção e pobreza.
“O desenvolvimento da Amazônia sempre foi um processo muito explorador. Poucas pessoas ficaram ricas e muitas ficaram pobres. A ideia da Inova Manejo é trabalhar esse processo, essa repartição dos benefícios”.
Isso significa que Anderson é contra a chegada de empresas de manejo de fora da região? Muito pelo contrário. Em sua visão, há espaço para todo mundo – não se pode abrir mão, contudo, das técnicas que protegem o ecossistema ao mesmo tempo em que permitem o uso de seus recursos. Como escreveu o líder quilombola e ativista político Antonio Bispo dos Santos, “o mundo é redondo exatamente para as pessoas não se atropelarem”.