Crítica

Lula, preste atenção no que acontece no México e depois não lamente

Não pense que conseguirá tirar o seu da reta

Ricardo Noblat

Salvo uma repentina conversão à ideia que rejeitou nos seus dois governos anteriores, e neste também pelo menos até agora, Lula não criará o Ministério da Segurança Pública. A razão é a mesma que ele expôs ao ministro José Dirceu de Oliveira, chefe da Casa Civil, ao se eleger presidente pela primeira vez em 2022:

“Não quero trazer mais um problema para meu colo, um baita problema…”

Lula ampara-se na interpretação constitucional segundo a qual a segurança pública é tarefa dos estados. Ora, em tese, Saúde e Educação também seriam tarefas dos estados, mas isso não impede o governo federal de gastar boa parte do Orçamento da União com as duas coisas e de coordenar todas as políticas a respeito.

Foi-se o tempo em que ações criminosas se limitavam às fronteiras estaduais, ali nasciam, ali eram combatidas e ali diminuíam ou cresciam. O crime, hoje, é transnacional, dado ao tráfico de drogas. Poderosas organizações criminosas, como o PCC e o Comando Vermelho, concorrem em todo o país com facções regionais.

O Estudo Global sobre Homicídios 2023, divulgado este mês pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), traz um retrato assombroso da violência no Brasil. Em 2021, o país registrou 22,4 homicídios intencionais por 100 mil habitantes, quase quatro vezes a média mundial (5,8 por 100 mil).

A taxa supera a média das Américas (15 por 100 mil) e da África (12,7 por 100 mil), as regiões mais violentas. De 458 mil homicídios computados no mundo em 2021, 10,4% aconteceram no Brasil, país que reúne 2,5% da população global. No ano passado, foram 47.400 assassinatos. A cada hora, cinco brasileiros foram mortos.

Os estupros chegaram a cerca de 75 mil, mais de 200 por dia. Mais de 22 mil crianças sofreram maus-tratos. Mesmo os crimes de menor gravidade atingiram patamares gigantescos: houve quase 1 milhão de furtos ou roubos de celulares e 1,8 milhão de casos de estelionato. Não se pode fechar os olhos a números como esses.

Os brasileiros de todos os andares não fecham, embora os do primeiro andar disponham de recursos para se proteger. Oito em cada dez brasileiros acusam o agravamento da violência nos últimos 12 meses, segundo pesquisa Quaest aplicada em novembro. Entre os entrevistados, 51% disseram já ter sido roubados ou furtados.

Decretos de Garantia da Lei e da Ordem não passam de paliativos. Em novembro último, depois que milicianos queimaram 35 ônibus no Rio, Lula assinou um decreto para permitir a intervenção das Forças Armadas na segurança das fronteiras, portos e aeroportos; ajuda passageira, uma vez que a intervenção acaba em maio próximo.

Há muitos exemplos no mundo de que é possível restabelecer a ordem em cidades consideradas fortalezas do crime, como eram Medellin, na Colômbia, e Nova Iorque nos Estados Unidos. Não basta o uso da força bruta. A presença do Estado com obras públicas e ações transformadoras é o modo mais eficaz de combater o crime.

Os últimos massacres ocorridos no México transformaram a segurança da população numa questão de inevitável valor estratégico em tempos eleitorais. Se um fracasso pode ser atribuído ao governo de Andrés Manuel López Obrador, é a violência que grassa em todo o país e que nas últimas semanas provocou duas tragédias.

Cinco estudantes de medicina foram assassinados em Celaya em 3 de dezembro e 11 jovens em Salvatierra, ambos no estado de Guanajuato. Claro que não são os únicos homicídios: o México contabiliza perto de 100 por dia. A insegurança vai ser o grande tema da campanha que desembocará nas urnas em junho de 2024.

Durante muitos anos, o crime organizado foi identificado pelos mexicanos como o problema número um do país. É uma preocupação genuína deles. Os tiros são ouvidos por todo o lado e cada vez mais perto. As pessoas se percebem vulneráveis. Aqui também haverá eleições em 2024. E, em 2026, para presidente da República.

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