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No Brasil, ninguém precisa mais parecer honesto

Aquela história de a mulher de César não bastar ser honesta, ter de parecer honesta: o Brasil superou essa coisa antiga. É até o contrário

O fato ocorreu na Roma Antiga, em 61 antes de Cristo, há 2.084  anos, portanto, muito antes da descoberta do Brasil. Clodio, amante de Pompeia Sula, mulher de César, cometeu uma imprudência quando se preparava uma festa na casa dela, em honra da Bona Dea, divindade do Lácio considerada “a grande mãe”. 

Como a festa era interditada a homens – por esse motivo, César não estava em casa -—, Clodio travestiu-se de mulher, escolhendo o modelo que as flautistas costumavam endossar, e entrou na casa, acolhido por uma serva, Abra, alcoviteira a par da relação amorosa entre ele e Pompeia Sula. Outra serva, no entanto, reconheceu o farsante, deu um grito de alerta – e a mãe de César, Aurelia Cotta, expulsou Clodio.

Por que ele assumiu tamanho risco? A causa é incerta, mas talvez a comparação ajude: Clodio era uma espécie de Aécio Neves da Roma Antiga. O escândalo, no entanto, não foi abafado. No dia seguinte, não havia um só patrício que não falasse do assunto (os plebeus também falavam, claro, mas quem se importava com eles?). César, então, repudiou Pompeia Sula, que se tornou alvo de um processo, juntamente com Clodio. 

O processo não deu em nada. César não testemunhou contra Clodio e ainda declarou estar convencido de que Pompeia Silla era inocente. Sessão vem, sessão vai, ambos acabariam absolvidos – inclusive porque Crasso, que viria a compor no ano seguinte o triunvirato que governaria Roma, ao lado de César e Pompeu, corrompeu os jurados. Um tremendo favor para todo mundo naquele momento.

Ao prestar depoimento favorável a Pompeia Sula, o magnânimo César foi perguntado por que a rejeitara e dela divorciara-se, se acreditava na inocência da infeliz. Ele respondeu: “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”. A frase ganharia a versão citada até hoje, como regra geral aplicável a gente poderosa em todas as latitudes: “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

No Brasil, contudo, ninguém precisa mais parecer honesto. É até o contrário: não basta ser desonesto, é preciso parecer desonesto. 

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