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Golpe de estado, destruição de patrimônio e mais: extremistas cometeram ao menos 5 crimes

Manifestações antidemocráticas e invasões se enquadram na legislação como atentados contra o Estado Democrático de Direito

Os mais de 1.500 extremistas que foram presos entre o final da tarde de domingo (8) e a segunda-feira (9), após a invasão e depredação dos prédios do governo, na praça dos Três Poderes, em Brasília, podem ter de responder por pelo menos cinco crimes, dizem advogados criminalistas, professores de direito penal e também o ministro da Justiça, Flávio Dino.

O mesmo vale para as pessoas que forem identificadas nas investigações, caso seja comprovado que participaram das manifestações, de seu financiamento ou que incitaram os atos de vandalismo. Ainda podem ser responsabilizados o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, policiais e outros agentes de segurança, se ficar provado que prevaricaram, ou seja, deixaram de cumprir seu dever por má-fé ou qualquer tipo de interesse.

“A visão que temos, que a Polícia Federal está concretizando, é que nós vivenciamos ontem um conjunto de crimes. Temos o crime de golpe de estado, este é o nome no Código Penal; tivemos o crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tivemos crime de dano, inclusive qualificado, porque é em patrimônio público e tombado; tivemos associação criminosa; tivemos lesões corporais, inclusive em relação a profissionais de imprensa, que foram atacados e queremos nos solidarizar”, declarou Flávio Dino, em entrevista coletiva.

O ministro afirmou que esse conjunto de crimes abre múltiplas possibilidades de responsabilização dos vândalos. “Quem tiver dúvidas, vá até o artigo 29 do Código Penal, que trata do modo como uma pessoa é identificada como coautor ou partícipe de um crime. São esses dispositivos do Código Penal que estão sendo aplicados, associados ao Código de Processo Penal, que define o conceito de prisão em flagrante. Todas essas providências serão comunicadas ao Poder Judiciário, que vai adotar as providências que considerar cabíveis. Aí, não nos compete opinar.”

“O enquadramento no crime de golpe de Estado é indubitável”, diz o advogado Alberto Zacharias Toron, doutor em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo) e professor de processo penal da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado). “Aquelas pessoas transpuseram as fronteiras da livre manifestação e partiram para atos de depredação. Em uma circunstância normal, o que poderia ser um crime de dano ao patrimônio público, ganhou outro significado, de caráter político, com vistas à derrubada do poder constituído. Foram ações que atentavam ao Estado Democrático de Direito, uma sucessão de crimes contra as instituições democráticas, de forma violenta”, explica.

No Código Penal, na seção sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito, definidos pela Lei nº 14.197, de 2021, o Capítulo 2 trata dos crimes contra as instituições democráticas:

  • o artigo 359-L tipifica a abolição violenta do Estado Democrático de Direito: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, cuja pena prevista é reclusão por período de quatro a oito anos, além de penalidade correspondente à violência praticada.
  • o artigo 359-M. define o Golpe de Estado: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, que implica reclusão, de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

“Nos discursos dos manifestantes, esses dois crimes ficam bastante evidenciados, mas há uma discussão no meio quanto à abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Alguns especialistas colocam essa acusação em dúvida, porque a abolição do Estado não chegou a acontecer, já que as instituições continuam funcionando”, afirma Helisane Mahlke, professora de direito internacional público e de ciência política da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Patrimônio público

Helisane diz que, com a conclusão da perícia que está sendo feita pela Polícia Civil e o levantamento de tudo o que foi danificado na invasão, será possível falar com mais precisão sobre todos os crimes cometidos pelos manifestantes extremistas. “Apenas pelo que foi possível ver em algumas imagens, pode-se falar em dano qualificado, que está previsto no artigo 163, inciso 3º do Código Penal, por se tratar de instalações do governo”, justifica.

A pena prevista por “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia” é a detenção, de um a seis meses, ou multa. Quando o alvo da depredação é patrimônio da União, do Distrito Federal, estado, município ou de qualquer órgão público, a detenção pode ser de seis meses a três anos, e ainda ser acrescida de tempo ou valor adicional correspondente à violência praticada.

A professora também cita o crime contra o patrimônio cultural, que está na Lei 9.605/1998, no artigo 62, e prevê multa e reclusão, de um a três anos, para quem destruir, inutilizar ou deteriorar: (I) bem protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, ou (II) arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial.

“Há, ainda, o crime de furto qualificado, devido aos diversos objetos faltantes, que foram subtraídos dos locais invadidos. Foi constatada, infelizmente, a ausência de objetos, sem contar tudo o que foi danificado e está perdido, como alguns presentes de chefes de estado, muito antigos, de mais de cem anos, que nem podem ser restaurados”, lamenta Helisane que, por último, menciona o crime de associação criminosa, previsto na Lei nº 12.850, de 2013.

Na legislação (Art. 1º § 1º), a definição é a seguinte: “considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.” 

Para o advogado criminalista José Beraldo as acusações são excessivas. “Não há que se falar em associação criminosa, porque aquele pessoal se reuniu para um protesto político, e não com o fim específico de cometer crimes. Algumas pessoas invadiram e destruíram o patrimônio, isso se enquadra no artigo 163 inciso 3º do Código Penal, é um crime de pequeno potencial ofensivo, com pena inferior a 4 anos.” 

Pode ser terrorismo?

Tanto o professor Alberto Toron, como Helisane e José Beraldo falaram sobre a inadequação de se falar em crime de terrorismo, considerando a forma como ele é descrito na legislação brasileira.

“A Lei nº 13.260 de 2016, que regulamenta o que são atos de terrorismo, diz o seguinte, em seu artigo 2º: ‘o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”, fala Toron.

“Por essa descrição, como a motivação dos atos do domingo foi política, eles não poderiam ser considerados como terroristas”, ensina.

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